Entrevista | “O governo Bolsonaro não tem como prioridade a segurança alimentar da população”

Malvinier Macedo, presidenta do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Ceará falou sobre a fome no Brasil.

Recentemente uma imagem ganhou notoriedade na internet. A de pessoas recolhendo sacolas de dentro de um do lixo na região do Cocó, bairro nobre de Fortaleza. O caso é mais um dos exemplos que escancara a atual situação do Brasil está vivendo, que é do aumento da fome, causado por diversos fatores como a escalada dos preços dos alimentos e no do gás de cozinha, aumento do desemprego e a crise econômica agravada pela pandemia do coronavírus.

O Brasil de Fato Ceará entrevistou Malvinier Macedo, diretora adjunta do Esplar – Centro de Pesquisa e Assessoria e presidenta do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Ceará (Consea Ceará) para falar sobre o recente crescimento da fome no Brasil. Malvinier afirma que uma das causas é a aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 que instituiu o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, que terá vigor por vinte anos, limitando o teto dos gastos, afetando diversos setores.

Brasil de Fato – Recentemente uma imagem foi bastante divulgada nas redes sociais. Um grupo de pessoas mexendo no carro de lixo aqui em Fortaleza. Qual o impacto dessa imagem e o que ela representa?

Malvinier – A visão da imagem de pessoas procurando comida no lixo é revoltante. Causa indignação, mostra a miséria em uma das suas formas mais desumana e degradante, quando sabemos que o Brasil é um país rico, mas detém na desigualdade social que cada vez mais tem se aprofundado nos últimos cinco anos. Uma vergonhosa marca para um país que havia saído do Mapa da Fome, em 2014. A cena me trouxe a lembrança do poema O Bicho, de Manuel Bandeira, escrito em 1947:

“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem”

A cena traz também a certeza materializada, de forma contundente, dos efeitos devastadores dos desmontes de políticas públicas, da desigualdade social cada vez mais aprofundada, das injustiças sociais “naturalizadas”, do descaso com as populações em estado de vulnerabilidade social, de um sistema econômico desumano que faz tantas pessoas passarem fome num país que é recorde em produção agrícola, produção essa que tem no lucro o seu objetivo principal, da ausência de um estado que tenha respeito aos direitos sociais e que faça valer o que está na Constituição Federal.

Brasil de Fato – É possível afirmar que a fome voltou a assolar o Brasil? Se sim, quais os motivos para essa realidade?

Não há dúvidas de que a fome voltou a assolar o Brasil e esse fato já vem crescendo desde antes da pandemia da Covid-19, como mostram dados do IBGE relativos à Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), que sinalizavam o crescimento da extrema pobreza de 13,3 para 14,8 milhões de pessoas, de 2016 para 2017. 

As causas são diversas, como a aprovação da Emenda Constitucional 95/2016 que instituiu o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, que terá vigor por vinte anos, limitando o teto dos gastos, afetando diversos setores; o desmonte do Ministério do Desenvolvimento Agrário, subtraindo o apoio à agricultura familiar; a desestruturação de apoio a programas sociais; reformas trabalhista e previdenciária; o desemprego; a alta nos preços de itens básicos da alimentação, para citar algumas.

Brasil de Fato – Como você caracteriza o governo Bolsonaro em relação à fome no Brasil?

O governo Bolsonaro não tem como prioridade a segurança alimentar da população. No primeiro dia de seu mandato extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea Nacional), que tinha o papel de indicar ao governo federal as prioridades para a política e o plano nacional de segurança alimentar. Trouxe a descontinuidade de políticas voltadas para essa área e o tema não é tratado de forma que haja o atendimento a quem necessita ter apoio público para ter comida de forma regular, caracterizando a violação do Direito Humano à Alimentação Adequada. Ele ignora o que ocorre com as pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Brasil de Fato – Qual o impacto do preço dos alimentos e do gás de cozinha no bem-estar das pessoas?

O alto custo no preço dos alimentos e no gás de cozinha agravam ainda mais o que já está difícil para enorme parcela da população. Se já estava difícil na situação em que os preços não estavam tão altos, no cenário atual, adquirir alimentos e ter gás de cozinha para o seu preparo fica inviável para parcela significativa da população.

É urgente que haja uma mudança de cenário e que possa ser assegurado o acesso ao alimento e aos demais direitos que tornam a vida digna para tantas pessoas. 

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Edição: Camila Garcia

Fonte: Brasil de Fato