Pandemia, alta dos alimentos, falta de auxílio emergencial e a vida das mulheres

Rita** é mãe de cinco filhos. Assim que chegou a São Paulo, vinda da Bahia, para começar o novo trabalho, foi surpreendida pela pandemia que a deixou mais uma vez desempregada, e agora, longe de casa. Vendendo temperos junto à filha numa praça da região metropolitana, o auxílio emergencial era o que fazia a diferença para garantir a sobrevivência.

Neste 8 de março de 2021, as mulheres demonstraram capacidade de mobilização sem grandes atos, mas com ações estrategicamente descentralizadas por todo o país.

Nelas, as militantes dialogaram com outras mulheres e a resposta de Rita se repetia em inúmeras bocas. Do norte ao sul do país, as mulheres mostram como têm sido impactadas, e respondem por que a responsabilidade de garantir que a vida continue recai sobre seus ombros.

Completando exatamente um ano desde que iniciamos o período pandêmico no Brasil, sofremos mais um golpe enquanto atingimos a marca de quase duas mil mortes por covid-19 por dia no país (sem falar nas mortes relacionadas ao feminicídio, LGBTfobia, racismo).

Além de lidarmos com os preços abusivos de alimentos básicos, gás de cozinha, combustível e o impedimento de recebermos vacina para toda a população, agora acontece a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 186/2019, também chamada de PEC emergencial.

Aprovada na madrugada da última sexta-feira (12), a PEC 186 é um festival de desmontes sociais usado como chantagem política, pois foi vinculada – no discurso do governo – ao retorno do auxílio emergencial num limite de até R$ 44 bilhões, valor cerca de sete vezes mais baixo em relação ao que foi gasto com o auxílio no ano passado.

O valor pode chegar ao máximo de R$ 250,00 por pessoa, por apenas quatro meses, e sem contemplar todas as famílias que necessitam.

O que se consegue fazer com um valor como esse, especialmente nessa situação de aumento do preço de alimentos e do gás? Acessar alimentação, itens de higiene, moradia e todas as outras contas de uma casa?

Segue em curso o projeto de fortalecer a responsabilização da sobrevivência e reconcentração do trabalho dos cuidados nas mulheres, que têm suas dinâmicas adaptadas às lógicas do mercado.

De acordo com a pesquisa da SOF e Gênero e Número, só no período da pandemia, mais da metade das mulheres entrevistadas passaram a cuidar de alguém em casa, com destaque para as mulheres negras.

Além disso, para as mulheres que tiveram seu emprego mantido, a carga de trabalho aumentou. Esses e outros dados apontam que combater a atual divisão sexual do trabalho é a chave para reorganizar o trabalho doméstico e de cuidados.

A PEC 186 é mais uma prova de que Bolsonaro e Paulo Guedes continuam com seu programa máximo de destruição do Estado e do orçamento público, impondo a agenda neoliberal que tira do povo tudo o que pode para manter a engrenagem do capital girando, favorecendo bancos e empresários com o argumento de que é preciso quitar a dívida pública e enxugar gastos.

Como sempre, fazem uso da narrativa de que o funcionalismo público é o que atrasa a economia e causa o mau funcionamento do serviço.

No momento que a população mais precisa e sem qualquer pudor, o governo usa vias legais para barganhar fundos sociais como o do Pré-Sal e investimentos das áreas da saúde, educação, assistência social, congela salários, impede contratação de novos quadros, e mantém a precariedade de infraestrutura.

São desmontes, chantagens e barganhas que não surgem agora com a pandemia. São processos planejados desde o golpe, passando pela aprovação da Reforma Trabalhista e da Reforma da Previdência, que colocaram em situação de miséria muitas pessoas que hoje poderiam estar aposentadas ou trabalhando com estabilidade e direitos.

E enquanto as mobilizações da sociedade civil e dos movimentos travam batalhas, seja no campo das ações emergenciais de solidariedade ou para pressionar o governo, o Ministério da Agricultura e o agronegócio comemoram, na mesma semana, o recorde de exportação de uma safra de mais 270 milhões de toneladas de grãos como soja e milho, que alimentam o mercado internacional e tira de circulação nacional.

No prato das famílias brasileiras, faltam o arroz e feijão de todo dia, que sofrem reajuste a cada semana, devido não apenas à safra que não chega nem perto das gigantes do agro, mas também ao aumento do combustível que encarece o transporte de mercadorias.

Um governo que não se preocupa em garantir um estoque de alimentos para regular o mercado interno durante uma pandemia assina, na prática, um atestado de morte de seu próprio povo.

Sem falar nas políticas de isenção fiscal ao uso de agrotóxicos aprovadas também na ultima sexta-feira (12) – mantendo o Brasil no posto de país que mais gasta com agrotóxicos no mundo – e no veto de Bolsonaro ao PL 735/2020 em agosto do ano passado, que previa auxílio financeiro e fomento à agricultura camponesa durante a pandemia.

Bolsonaro oferece esmolas, e não considera a população como sujeito de direitos. Por isso, é preciso debater questões que apontem para além das emergenciais. Diante das dinâmicas capitalistas racistas e patriarcais que ancoram a visão de mundo dominante, discutir o acesso a uma renda básica é vislumbrar horizontes de futuro.

A solidariedade e indignação são os sentimentos que têm sustentado as ações das mulheres que buscam amenizar a situação que vivenciamos. Foram inúmeras as ações de denúncia que vimos neste último 8 de março, sejam nas ruas, com os cuidados devidos, ou nas redes sociais.

A Marcha Mundial das Mulheres, por exemplo, realizou ações em mais de 20 lugares, em diferentes estados, pautando a urgência de se tirar Bolsonaro e exigir vacina para toda população e o retorno imediato do auxílio emergencial num valor digno.

Diante do caos e da política de morte provocada pelo neoliberalismo, a economia feminista e as alternativas encontradas pelas mulheres nos apontam caminhos para propor e colocar em prática a reorganização e desmercantilização da vida, não apenas nas dinâmicas familiares, mas em toda a sociedade, a partir da garantia de direitos e acesso digno aos serviços públicos.

*Natália Blanco é jornalista e comunicadora, militante da Marcha Mundial das Mulheres e integra a equipe da Sempreviva Organização Feminista

**Rita é nome fictício para não expor a identidade da personagem

FONTE: BRASIL DE FATO
FOTO: Marcha Mundial de Mulheres – Curitiba