Em dois anos, o número de pobres e extremamente pobres subiu 14,5 milhões e a classe média diminuiu em 4%. Para economista, efeitos negativos vão durar gerações se país não reiniciar políticas sociais
O aumento da miséria brasileira tem dois nomes e sobrenomes: Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. O presidente da República e o ministro da Economia são responsáveis diretamente pelo aumento da pobreza e miséria da população brasileira. Este é o resultado do negacionismo de Bolsonaro, cujo governo nunca fez uma campanha decente de conscientização de proteção à Covid-19 que explicasse a importância de medidas sanitárias e do isolamento social para evitar a propagação da doença, e de não ter comprado vacinas suficientes, entre outras medidas protetivas para os brasileiros.
Se eles se importassem mais com o combate à fome, à proteção de empregos, a manutenção de direitos dos trabalhadores, em vez de continuar fazendo o país pagar juros da dívida pública, emanter o teto de gastos públicos, muito provavelmente, o número de brasileiros vivendo na pobreza e na extrema pobreza, não teria dado um salto gigantesco, nos últimos dois anos.
O saldo negativo desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência da República, há dois anos, é de 9,1 milhões de pessoas a mais na pobreza e 5,4 milhões a mais na extrema pobreza. Ou seja, em seu governo 14,5 milhões de brasileiros foram empurrados para classes econômicas mais baixas. Hoje o país tem 61,1 milhões de pobres e de extremamente pobres.
Diversas pesquisas (veja abaixo) mostram que a desigualdade social se tornou ainda maior desde o início da pandemia. São os pobres, de baixa escolaridade e as mulheres negras os mais atingidos tanto pela falta de emprego, pela fome, como também os que mais morrem de Covid-19, por que são essas pessoas que precisam trabalhar presencialmente, e as que, impossibilitadas de ter um emprego decente, se arriscam a ir para as ruas procurar um trabalho ou bico para se alimentar suas famílias, se expondo à doença nos transportes públicos lotados, como os de São Paulo e outras cidades populosas.
Até mesmo a classe média é afetada. De cada 10 pessoas neste estrato da população, seis perderam renda na pandemia. O número de pessoas de classe média que era de 51% da população, em 2020, cai este ano para 47% e empata agora com a classe “baixa”, com o mesmo índice de 47%.
A economista e professora do programa de mestrado em “Estado, Governo e Políticas Públicas” da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO /Brasil), Ana Luiza Matos de Oliveira, é uma das autoras, junto com as pesquisadoras Luiza Nassif-Pires, Luísa Cardoso, da pesquisa publicada pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP), que mostra o aumento da pobreza e miséria no país. Para ela, é preciso dar condições financeiras para que a população permaneça em casa e a economia não sofra tanto os efeitos negativos da pandemia.
” Um auxílio emergencial decente, de R$ 600 até o fim da pandemia, daria um ganho imenso na renda dessas famílias que poderiam se manter dentro de casa, impedindo a propagação da doença que já matou quase 400 mil brasileiros”, diz Ana Luiza.
Um valor maior do que o oferecido por Bolsonaro, de apenas quatro parcelas de R$ 150, R$ 250 e R$ 375, é o que também defende a CUT, que incluiu um auxílio decente como uma das prioridades na pauta de reivindicações da classe trabalhadora neste 1º de Maio, que inclui democracia, emprego e vacina para todos.
“ O auxílio emergencial do ano passado, de R$ 600 e de R$ 1.200 para as mães chefes de família, minimizou os impactos da pandemia nos segmentos mais vulneráveis da população. A ajuda a 70 milhões de invisíveis para o governo Bolsonaro, desnudou a crise econômica brasileira”, diz o secretário de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle.
O dirigente da CUT ressalta ainda que o governo Bolsonaro não se importa com os trabalhadores, nem com os pequenos e micro empresários, que vem sofrendo para manter seus negócios. Para Valeir, o fato do governo não ter renovado o Programa de Manutenção de Emprego e Renda (BEm), de redução de jornada e salários, responsável pela manutenção de 10 milhões de empregos, segundo o próprio Ministério da Economia, demonstra o quanto a dupla Bolsonaro/Guedes, pouco se importa com a saúde e a vida das pessoas.
“No ano passado, o que ainda segurou um pouco o índice de desemprego foi o BEm, mas o governo vem desde janeiro ensaiando a sua renovação. A única possibilidade de isolamento social que tenha resultado efetivo é garantir empregos e reduzir a carga horária. O mesmo vale para os empresários, principalmente os pequenos que tem alto grau de empregabilidade, mas que não conseguem bancar os salários sem benefício fiscal. Mas, este governo só pensa em pagar os bancos”, critica Valeir.
Crise sanitária compromete futuro de gerações
A economista Ana Luiza alerta que a forma como o governo vem enfrentando a pandemia, levando ao aumento da vulnerabilidade e da desigualdade social, terá um impacto imenso na trajetória da vida dessas pessoas.
“Imagine o futuro de quem hoje tem 15 anos e vai ficar dois anos sem estudar; o jovem que saiu recentemente da universidade, mas não encontra oportunidades de emprego?”, questiona, e complementa: “ sem apoio aos vulneráveis, sem investir em educação, o Brasil vai demorar muito mais tempo para se recuperar, e os impactos negativos para as futuras gerações serão imensos”, afirma Ana Luiza, que é doutora em Desenvolvimento Econômico.
Para ela, a distribuição de computadores e acesso à internet para os estudantes pobres, que Bolsonaro vetou, daria um ganho imenso na renda dessas famílias. Em meados deste mês de abril, o presidente vetou integralmente o Projeto de Lei (PL) nº 3.477/20, aprovado pela Câmara Federal, que destinada verbas para escolas públicas comprarem tablets para os alunos e ter acesso a internet.
“Só a distribuição de tablets e o acesso à internet, ajudariam, e muito, as mulheres, especialmente as negras, as mais atingidas pela vulnerabilidade social”, afirma Ana Luiza, cujo estudo faz uma estratificação por gênero e raça.
O mais triste de tudo isso é que temos instrumentos de combate à pobreza, mas este governo está engessado pelas regras fiscais e, por interesse ideológico, de achar que a extrema pobreza vai incentivar as pessoas serem empreendedoras, não põe em prática o que sabemos fazer, que é política pública social- Ana Luiza Matos de Oliveira
Políticas Públicas nos governos do PT diminuíram a pobreza
Até 2014, a pobreza diminuiu durante anos no Brasil, graças ao avanço de políticas sociais como o Bolsa Família, os ganhos reais do salário mínimo, implantado durante o governo Lula, e a ampliação do acesso à educação.
Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) baseado em dados de 2001 a 2017 mostrou que, no decorrer de 15 anos, o programa Bolsa Família reduziu a pobreza em 15% e a extrema pobreza em 25%.
O atual governo sabe o quanto o auxílio emergencial de R$ 600 ajudou no combate à pobreza. Antes da pandemia, em 2019, as taxas de extrema pobreza e de pobreza eram de 6,6% e 24,8% respectivamente. Em julho de 2020 com o auge do benefício do auxílio emergencial, a taxa de extrema pobreza do país foi reduzida a 2,4% e a de pobreza a 20,3%. A estimativa é das pesquisadoras do Made-USP, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua ) e da Pnad Covid-19 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
“O que dói é saber que em anos anteriores tínhamos avançado em muito nas políticas sociais. O Brasil havia saído do mapa da fome em 2014 [governo Dilma] e este atual governo sabe o que tem de ser feito, mas nada faz”, diz Ana Luiza.
Pesquisas mostram o impacto da Covid entre os pobres e a classe média
Abaixo resumimos o que mostram as mais recentes pesquisas sobre as mortes dos mais pobres pela Covid; a falta de oportunidades de trabalho e do uso do home office pelos pobres e de baixa escolaridade, e os impactos da pandemia na classe média brasileira.
Mortes por Covid-19 na população mais pobre
Em 2021, são consideradas pobres as pessoas que vivem com uma renda mensal per capita (por pessoa) inferior a R$ 469 por mês, ou US$ 5,50 por dia, conforme critério adotado pelo Banco Mundial. Já os extremamente pobres são aqueles que vivem com menos de R$ 162 mensais, ou US$ 1,90 por dia.
Estudos apontam que áreas pobres no país e bairros da periferia de São Paulo morreram três vezes mais pessoas por Covid-19 do que outras regiões. Os dados são com base em 19,5 mil óbitos.
– Morreram 70% mais pessoas de Covid-19 nos locais em que mais de 10% da população tem renda per capita menor que R$ 275,00.
– Áreas com maior percentual de moradias precárias tiveram 53% mais óbitos;
– Casas com mais de três pessoas por cômodo, a taxa de mortalidade foi mais que o dobro na comparação com domicílios menos densos;
– 79,6% dos óbitos registrados na cidade do Rio de Janeiro ocorreram nas áreas mais pobres;
Fontes: Estudo “Desigualdade Social e a mortalidade pela Covid-19 na cidade de São Paulo”. O dado sobre o Rio de Janeiro é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Desemprego afeta mais os pobres
Em 2020, na média, a taxa de ocupação no país caiu 9,5%, mas oito estados tiveram índices acima: Rio de Janeiro (14,2%); Ceará (13,8%); Pernambuco (11,7%); São Paulo (11,3%) , Bahia (11,0%) ; Sergipe (10,3%), Goiás (10,2%) e Minas Negrais (9,7%).
Entre os 50% mais pobres em São Paulo, a taxa de ocupação despencou 22%, o dobro da média do estado.
Fonte: FGV Social, a partir dos microdados da Pnad Covid, com dados do 4º trimestre de 2019 ao 4º trimestre de 2020
Classe média perde renda
O tamanho da classe média brasileira (renda familiar de R$ 2.971,37 a R$ 7.202,57) ficou no menor patamar em mais de 10 anos em relação ao total da população.
– Em 2021, 47% de brasileiros eram de classe média. Em 2020 eram 51%, e em 2011 eram 54% da população. Já a classe baixa subiu de 38%, em 2010, para 43% em 2020, chegando aos atuais 47%.
– O número de pessoas de classe média caiu de 105 milhões, em março de 2020 para 100,1 milhões, em março de 2021 – o que representa um aumento de 4,9 milhões de brasileiros na classe baixa;
– De cada 10 brasileiros de classe média, seis afirmam ter tido perda de renda no último ano. Destes, 19% atualmente sobrevivem com metade ou menos;
– 71% dos brasileiros adultos da classe média estão com pelo menos uma conta em atraso, ou seja, mais de 54 milhões de consumidores.
Fonte: Instituto Locomotiva, com base nos dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Trabalho em Home Office
– 28% das classes A/B (renda domiciliar superior a R$ 8.303),puderam trabalhar em casa;
– 10,3% na classe C (renda entre R$ 1.926 e R$ 8.303), mudaram para o home office;
– apenas 7,5% das classes D/E (renda até R$ 1.926), tiveram essa opção.
Home Office por escolaridade
O grau de escolaridade beneficiou os que tiveram oportunidade de estudar.
– 34% de quem tem ensino superior puderam trabalhar em casa;
– 8% de quem tem ensino médio completo puderam trabalhar em casa;
– 6,6% de quem tem apenas o fundamental tiveram essa oportunidade.
Fonte: Pnad Covid-19 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) elaborados pela FGV Social
foto: ROBERTO PARIZOTTI