Com orçamentos para a pesquisa de vacinas contra a covid-19 cada vez mais reduzidos, instituições pedem socorro às assembleias legislativas locais
O governo de Jair Bolsonaro abandonou as universidades federais que, em busca do desenvolvimento de vacinas brasileiras contra a covid-19, estão pedindo ajuda aos poderes públicos locais para arrecadar recursos que mantenham minimamente as pesquisas. O orçamento aprovado, de R$ 4,5 bilhões para 2021, é 18% menor que o já apertado montante de 2020, quando R$ 5,5 bilhões foram destinados ao ensino superior.
De acordo com reportagem publicado no jornal O Estado de S.Paulo, o objetivo da busca por outras fontes de recursos é evitar que as pesquisas sejam paralisadas. O total já obtido pelas universidades garante apenas parte dos testes e a necessidade aumentará se os estudos avançarem para a última fase sobre a vacina. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR) são algumas das instituições desenvolvendo um imunizante brasileiro para a covid.
Ao portal UOl, o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Edward Madureira, também reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), explica que as vacinas podem representar independência em relação à indústria farmacêutica estrangeira, a partir do ano que vem.
“As universidades federais de Minas, do Rio e do Paraná estão entrando agora em fase clínica de testes. Se tivesse um financiamento justo, com valor significativo, com certeza elas já estariam adiantadas e não estaríamos dependentes de outros países. Nós temos expertise, o problema é que os orçamentos de ciência e tecnologia também estão extremamente decrescentes ao longo dos anos”, afirmou Madureira.
Pesquisa sobre vacinas
Na corrida das universidades federais pelas vacinas nacionais, a UFMG conseguiu R$ 30 milhões junto à prefeitura de Belo Horizonte e vai destinar os recursos para pagar as fases 1 e 2 dos estudos clínicos. Entretanto, para a fase 3, em que mais de 30 mil voluntários são convocados, serão necessários recursos na casa dos R$ 300 milhões.
Já a Universidade Federal do Paraná, com a falta de verbas, levou o reitor Ricardo Marcelo Fonseca a acionar contatos locais para alavancar o desenvolvimento de sua vacina. “Estou correndo atrás do jeito que posso. Falei com vereadores, que agora querem falar com o município para passar dinheiro para nós”, disse ao Estadão. O Tribunal de Contas do Paraná estuda entrar no projeto, aplicando verba própria.
Por sua vez, a reitora da UFRJ, Denise Pires de Carvalho, afirma que negocia com deputados estaduais e que sua expectativa é de conseguir R$ 5 milhões junto à Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). O Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies) estuda ainda ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela liberação de R$ 5 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Cortes no orçamento
A Lei Orçamentária Anual (LOA) elaborada pelo governo Bolsonaro não só cortou R$ 1 bilhão das federais, mas também criou uma condicionante para as universidades acessarem outra parte da verba. Edward relata que o governo federal colocou ainda um contingenciamento de 13,8% do total dos recursos. “Uma parte é o orçamento não condicionado, que representa 40% do total, e que estamos recebendo. Porém, os outros 60% são condicionados a um Projeto de lei do Congresso Nacional (PLN), que tem de ser aprovado.”
Em abril deste ano, o Ministério da Ciência e Tecnologia pediu em um ofício ao Ministério da Economia a edição de uma medida provisória para a abertura de créditos extraordinários no valor de R$ 720 milhões para as universidades federais seguirem os estudos por vacinas nacionais. No documento, a pasta explica que os valores seriam destinados a quatro projetos brasileiros nas fases 1 e 2 dos estudos clínicos e para duas vacinas que avançarem para a fase 3.
O governo federal respondeu só em maio e criou exigências que atrasam ainda mais as pesquisas, segundo o Estadão. O Ministério da Economia condicionou a liberação de R$ 415 milhões a um projeto de lei com cancelamento de recursos do Ministério da Saúde. Outros R$ 305 milhões dependeriam de uma portaria do Secretário Especial de Fazenda.
“O governo está firme no propósito de desfazer, de desconstruir. E as palavras não são minhas, mas do presidente da República, ditas em Washington em março de 2019. Ali ele deu a entender que estaria muito feliz em desconstruir e desfazer”, disse o professor da Universidade Federal de Goiás Nelson Cardoso Amaral, em ato virtual em defesa das universidades públicas, na última terça-feira (18), promovido pela reitoria da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Queda no orçamento
A queda no orçamento nas universidades federais agravou-se desde o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff. Em seu último ano de governo, a petista direcionou, em valores atualizados, R$ 10 bilhões às instituições, em 2015. Após o golpe que levou Michel Temer (MDB) ao poder, em 2016, o valor caiu para R$ 9,1 bilhões, em valores corrigidos.
Nos anos seguintes, os cortes foram ficando mais profundos. Em 2017, Temer diminuiu o orçamento do setor para R$ 7,5 bilhões, em 2017, e para R$ 6,6 bilhões em 2018. Com a posse de Bolsonaro, a redução continua e chegou aos R$ 4,5 bilhões deste ano.
“As universidades vêm sofrendo cortes sucessivos há vários anos. Nenhuma política de austeridade, quando é aplicada por tanto tempo ininterruptamente, consegue evitar danos sociais severos nas políticas de Estado”, afirmou o vice-presidente da Andifes, Marcus David, também ao UOL.
O corte do orçamento das universidades federais não só ameaça o desenvolvimento de vacinas contra a covid, mas também as bolsas de auxílio a estudantes de baixa renda, que já estão sendo cortadas. Alguns hospitais universitários correm o risco de paralisar as atividades e a UFRJ anunciou, na última semana, que só possui recursos para funcionar até agosto.
Fonte: RBA
Foto: coppe/ufrj