Escolher de quem comprar os alimentos pode sustentar o agronegócio ou os pequenos produtores
Certamente você já ouviu a frase: “comer é um ato político”. Mas o que ela significa a fundo?
Basicamente, ela chama os consumidores a perceberem que todos os seus atos cotidianos têm também um teor político, reforçado ou enfraquecido pelas suas escolhas. E como comer é fundamental para a vida humana, esse ato acaba passando pelo cerne das decisões políticas.
Transformar o comer em um ato político não é apenas escolher nas eleições um candidato comprometido com a soberania alimentar. Trata-se de fazer escolhas diárias que incentivem a fortalecem a chamada “comida de verdade”, aquela sem venenos, fresca, local, variada e produzida em sistemas familiares e orgânicos.
Pequenos gestos fazem muita diferença, como comprar em feiras livres e pequenos mercados
Com ela todo mundo ganha: quem planta, quem colhe, quem come e quem vive neste planeta, já que as produções agroecológicas são as mais saudáveis e sustentáveis para o meio ambiente.
“Viver é um ato político e comer faz parte disso. Ou a gente se posiciona de forma política ou vira massa de manobra”, diz o chef de cozinha e ativista alimentar Júlio Bernardo.
“Se alimentar é fundamental, faz parte da macropolítica e da micropolítica. Eu acredito muito na política feita de dentro da sua casa, política familiar, do que a gente vai comer nessa semana. Pequenos gestos fazem muita diferença, como comprar alimentos em feiras livres, sacolões e pequenos mercados”.
Assim, é importante pensar na alimentação para além de um ato biológico, de manutenção da vida ou de prazer a mesa. Comer têm impactos ambientais, culturais e humanos, já que perpassa um sistema de produção, distribuição e comercialização dos alimentos.
E é ele que o consumir pode apoiar ou não quando escolhe onde comprar comida: o poder de compra pode fortalecer a agricultura familiar ou agronegócio, muitas vezes associado a monocultura, ao desmatamento e a expulsão de camponeses de suas terras.
Porém, como lembra Julio, só é possível aplicar esse princípio quando se tem dinheiro para escolher o que você vai comer.
Sem uma política de garantia de renda para a população mais pobre, muitos acabam obrigados a escolher as opções mais baratas, em geral os alimentos ultraprocessados, vendidos por grandes redes de mercados.
“Não adianta falar de comida sem agrotóxico, comida termogênica, não adianta discursar para quem não tem o que comer”, diz.
Transformar o comer em um ato político passa por apoiar quem produz comida no Brasil, em geral os indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas e assentados da reforma agrária, que por sua vez também possuem uma política de solidariedade e sustentabilidade.
Ela foi reforçada durante a pandemia. Só o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra doou pelo menos 3.500 toneladas de alimentos de qualidade desde o começo da crise sanitária e econômica.
“A gente esta passando talvez ela maior crise sanitária da História e o campo vem mostrando a sua devida importância, o seu devido papel. Mais do que nunca dando uma lição de sociedade, de vida e de distribuição”, afirma o chef de cozinha.
Além de ajudar na distribuição de alimentos durante a pandemia, comprar comida dos pequenos agricultores, comercializadas em feiras e pequenos hortifrutis, significa ajudar a manter as crianças do campo na escola, os indígenas em suas terras, os rios preservados e os pequenos produtores seguros, com trabalho e fartura, longe dos problemas sociais atrelados à pobreza.
*Essa reportagem teve como base o artigo “Comer: ato político”, da nutricionista e doutora em Sociologia Política, Elaine de Azevedo.
Fonte: Brasil de Fato – Edição: Douglas Matos