Ex-ministro Eugênio Aragão atesta a segurança do sistema eletrônico e diz que Bolsonaro cria ‘cortina de fumaça’ para desviar atenção sobre fatos políticos, e antecipa contestação para sua derrota em 2022
Após anos e anos em várias eleições em que os políticos do clã Bolsonaro foram eleitos por meio do voto eletrônico, tanto o presidente quanto seus filhos e demais aliados jogam gasolina para aumentar o fogo sobre o debate da legitimidade do sistema. Prevalece o discurso de que a urna eletrônica não é segura, é suscetível a fraudes. Bolsonaro, não só contesta como, antecipadamente, acusa o sistema ao afirmar que no pleito de 2022, caso ele perca, a eleição terá sido fraudada.
E, a exemplo de seu ‘mito’, Donald Trump, que também teve conduta semelhante no processo eleitoral dos Estados Unidos, no ano passado, o presidente tenta, de todas as maneiras, impor a sua vontade, de que o voto seja auditável – nome mais brando para o voto impresso.
Acima da questão de segurança do sistema eletrônico, estão, na verdade, além de uma ação para desviar a atenção dos brasileiros de outros fatos políticos, a estratégia de levantar dúvidas para o caso (iminente, segundo as pesquisas eleitorais) de Jair Bolsonaro ser derrotado. No caso, especificamente pelo ex-presidente Lula, principal inimigo político do capitão.
Ou seja, a exemplo de Aécio Neves, do PSDB, em 2016, Bolsonaro não aceitaria a derrota.
O jurista e ex-ministro da Justiça, Eugênio Aragão, explica que a ofensiva sobre a urna eletrônica se trata de uma ‘reserva de contestação’ feita pelos ‘Bolsonaros’.
“Se eles ganharem está tudo bem, as urnas não vão ser contestadas. Se perderem, já querem contestar o sistema”, diz.
Aragão classifica a estratégia como uma atitude oportunista de quem não tem certeza da vitória. “Hoje as chances de Bolsonaro vencer são cada vez menores e quanto mais se fala na chance de ser derrotado, mais ele vai mexer nessa tecla da legitimidade com a discussão do voto eletrônico”, diz o ex-ministro.
Ele ainda reforça que em todos os anos, desde a década de 1990, quando o sistema foi implantando, Bolsonaro nunca contestou. “Por que agora?”, questiona Aragão.
Sobre as acusações de fraude, sem provas de que o sistema pode ser burlado, feitas por Bolsonaro, Aragão lembra que em 2018, quando ele foi eleito, Bolsonaro chegou a afirmar que apresentaria provas de fraude, já que acreditava que seria eleito no primeiro turno. Não apresentou e, posteriormente, disse que não era obrigado a provar.
Quando admitiu não ter como comprovar, ele inverteu o conceito de ônus. “Quando algumas autoridades querem que eu apresente provas de fraude, eu peço que eles apresentem provas de que não há fraude. Simples assim”, disse Bolsonaro a apoiadores em junho passado.
“Isso caracteriza uma intenção de desviar a discussão política”, diz Aragão. Bolsonaro tem sido centro de várias denúncias, não somente sobre corrupção e irregularidades na compra de vacinas como no escândalo das rachadinhas no Rio de Janeiro, que envolve seu filho, hoje senador, Flavio Bolsonaro, que à época era deputado estadual. Áudios revelados recentemente mostram envolvimento direto do presidente no caso.
Sim, e menos suscetível a fraudes do que o voto impresso. Eugênio Aragão explica que são inúmeros os passos da apuração não eletrônica e em cada passo pode haver um erro. Desde a totalização nas zonas eleitorais até o repasse da informação ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Já no voto eletrônico, ele diz, há uma dificuldade muito grande para alterar os resultados, já que para isso, o fraudador teria de entrar no sistema da própria urna, e segundo Aragão não há possiblidade disso acontecer. Uma hipótese seria acessar o link com os dados de cada urna durante a transmissão desses dados do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) para o TSE.
“A pessoa poderia entrar nos dados transferidos, mas não nos dados computados. A urna permanece intacta e em caso de dúvida, basta retransmitir os dados e compará-los”, explica o ex-ministro.
Aragão conta que a chance de isso acontecer é mínima e relata sua própria experiência quando foi Vice Procurador Geral Eleitoral do TSE. “As pessoas que trabalham no Tribunal são extremamente sérias, conheço bem o grupo de profissionais. E não há empresas contratadas para fazer o trabalho. É o próprio Tribunal que faz”, ele diz.
Para tentar aprovar o voto impresso no Congresso Nacional, Bolsonaro recrutou uma de suas fieis escudeiras – a deputada Bia Kicis (PSL-DF) – para empurrar goela abaixo da sociedade brasileira a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 135, ainda em setembro de 2019, que inclui o sistema impresso no processo eleitoral.
Parada desde então, a PEC voltou a ser debatida na Câmara. Foi para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida pela própria Bia Kicis, após a formação de uma comissão especial para analisar o tema, em maio deste ano.
Bolsonaro sabe que esta é uma batalha difícil para ele. O projeto passou na CCJ da Câmara, mas isso, por enquanto, significa tão somente a admissibilidade constitucional do projeto. Em plenário, Aragão acredita que “o projeto não passa de jeito nenhum”.
“Existe razoável consenso de que o sistema [ da urna eletrônica ] é sólido”, diz sobre a falta de apoio na Casa. Diz ainda que mesmo que o projeto passe, ainda poderá ser contestado sobre sua constitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, que dará a última palavra.
Presidentes de 11 partidos já declararam ao TSE que confiam nas urnas eletrônicas e articularão suas bancadas para rejeitarem a “PEC do Voto Impresso”
De acordo com reportagem da Agência Senado, Bolsonaro quer que, a partir da eleição de 2022, os números que cada eleitor digita na urna eletrônica sejam impressos e que os papéis sejam depositados em urna de acrílico e em caso de acusação de fraude no sistema eletrônico, os votos em papel possam ser apurados manualmente.
Em nota enviada à Agência Senado, o TSE afirma que utiliza o que há de mais moderno em tecnologia para garantir “a integridade, a confiabilidade, a transparência e a autenticidade do processo eleitoral”.
O sistema foi implantado em 1996. Já são 13 eleições gerais municipais sem vestígios ou comprovação de fraudes.
A implantação de um novo sistema custaria aos cofres públicos, cerca de R$ 2,5 bilhões de reais nos próximos dez anos, segundo um levantamento do TSE. Para os ministros do Tribunal, presidido pelo ministro do STF, Luís Barroso, não somente a troca dos atuais equipamentos por novos com impressoras seria um transtorno. Eles levam em consideração alimentos de filas e defeitos em equipamentos que possam ocorrer.
Fonte: CUT