As últimas pesquisas do Datafolha apontam para um momento de virada da conjuntura em relação a Bolsonaro. Agora, 54% são favoráveis ao impeachment, 70% julgam que há corrupção no governo e 63% julgam que Bolsonaro é incapaz de liderar o país. A reprovação da imagem dele como alguém incompetente, autoritário e mentiroso é devastadora. Além disso, ele perte em todas as simulações de voto para o segundo turno. A pesquisa reforça a tese, que venho defendendo há alguns meses, acerca da tendência de um segundo turno entre Lula e um candidato que não seja Bolsonaro, em 2022. Em que pese as pesquisas, a chance de não haver segundo turno, com a vitória de Lula no primeiro, é remota.
Mesmo que Bolsonaro se recupere em alguma medida, ele vai chegar na disputa eleitoral com muitas vulnerabilidades, muitas negatividades, que serão exploradas na campanha deteriorando suas chances de êxito. A quantidade de declarações e ações tresloucadas e negacionistas, que resultaram em mortes e graves danos à economia, constituem um arsenal demolidor para a campanha. E mesmo a situação social e econômica, por mais que possa haver alguma recuperação, não o favorecerá.
Todos os dias Bolsonaro se revela um blefe e vai perdendo credibilidade e respeito. Mostra-se cada vez mais desequilibrado e transtornado. Ele não tem o poder de impedir eleições, não é dono do Exército e não terá força para dar um golpe. Em que peses equívocos dos comandos militares, como a não punição de Pazuello, a nota contra o presidente da CPI e as declarações inconsequentes do comandante da Aeronáutica, as Forças Armadas não apoiarão um golpe de Bolsonaro, porque não querem e porque não podem.
Não querem, porque sabem em que desastre mergulhariam e porque a maioria dos oficiais é legalista. Não podem, porque enfrentariam a resistência das instituições e da sociedade civil. Teriam que enfrentar o povo nas ruas. O STF não ficaria passivo. Rodrigo Pacheco não é um Auro de Moura Andrade. O Senado resistiria e a maioria da Câmara também. Nenhum golpista seria anistiado. É preciso não se deixar intimidar e dizer que o destino de golpistas é um só: a prisão. Os equívocos e desvios de militares precisam ser respondidos pontualmente. Mas as Forças Armadas não podem ser o foco da crítica e dos ataques das oposições, como fazem, equivocadamente, alguns analistas e alguns políticos.
De qualquer forma, é preciso se preparar para derrotar qualquer aventura golpista de Bolsonaro. As autoridades da república precisam se preparar, a Câmara e o Senado precisam se preparar, assim como os partidos políticos, os governadores, a sociedade civil organizada e os movimentos sociais. Tal como Trump tentou embarcar numa aventura golpista em face da derrota, Bolsonaro não se resignará. Por isso, é preciso derrotá-lo ainda no primeiro turno ou tirá-lo pelo impeachment para evitar que ele faça esse mal ao Brasil e à democracia.
E o impeachment? O impeachment, mais do que nunca, é um imperativo da dignidade nacional. A exigência do impeachment não pode ser barganhada por uma suposta preferência de enfrentamento de Bolsonaro num segundo turno em 2022 pela facilidade de derrotá-lo. Diante da monstruosidade da tragédia que este governo vem causando em vários setores da vida nacional nenhum oportunismo será perdoável para aqueles que defendem um impeachment apenas para inglês ver.
Por mais que o impeachment seja um imperativo de dignidade nacional, um imperativo político e moral, as condições para a sua realização ainda não estão dadas. A CPI da covid é a que mais tem contribuído para o crescimento do apoio da população ao impedimento do presidente. Os partidos de oposição ainda estão em dívida.
É certo que o desempenho dos partidos de oposição melhorou depois que eles aderiram às iniciativas dos movimentos populares de convocar protestos e mobilizações de rua. Para que o impeachment se torne factível é preciso chegar a um patamar próximo aos 70% de apoio. É preciso também que a avaliação positiva do governo caia para um patamar de 15% para baixo. E, o mais importante, será necessário que haja uma imensa pressão vinda da sociedade civil organizada e das ruas. Será ainda preciso que se constitua uma ampla frente democrática para garantir os votos suficientes, primeiro na Câmara e depois no Senado, de 2/3 em cada Casa.
Se as oposições querem efetivamente o impeachment é nos campos do convencimento da sociedade e das mobilizações de rua que elas precisam se dedicar. E nisto, elas precisam de ajustes em suas táticas. Não dá para deixar que os atos de protestos se transforem novamente em piqueniques cívicos de militantes e ativistas como ocorreu no processo do impeachment da Dilma. Os atos de 3 de julho já se aproximaram dessa condição.
Atos que queiram alcançar seus objetivos não podem ser convocados de afogadilho, sem organização e sem mobilização prévias, sem a constituição de caravanas de setores sociais organizados. As oposições precisam lidar com as noções de tempo certo e momento oportuno para evitar que as mobilizações resvalem para o esvaziamento.
Ainda considerando o momento oportuno, cobra-se de Arthur Lira, assim como se cobrava de Rodrigo Maia, para que coloque o processo de impeachment em análise e votação na Câmara. Quando o presidente da Câmara determina a análise de um processo de impeachment ele é encaminhado para uma Comissão que tem o prazo de dez dias para encaminhar o relatório para votação no plenário. Ocorre que se Lira fizesse isto neste momento, o impeachment não passaria, o que constituiria uma vitória para Bolsonaro.
Continuar aprofundando as investigações na CPI e em outros órgãos, refutar as investidas antidemocráticas de Bolsonaro, manter mobilizações bem organizadas e robustas, aglutinar as forças democráticas que se opõem a Bolsonaro são as principais tarefas que levam à sua derrota. Se sofrer o impeachment, este mal estará resolvido. Se não o sofrer, é preciso derrota-lo antes das eleições. As mobilizações têm um papel decisivo em qualquer uma das duas hipóteses.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (Fespsp).
Fonte: Jornal GGN