Representantes do funcionalismo e da oposição se queixam de falta de diálogo com governo Bolsonaro
Ponto de destaque da agenda econômica do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a reforma administrativa deve ser alvo esta semana de mais uma grande mobilização: a primeira greve nacional. Servidores públicos de todas as regiões do país e de diferentes esferas de atuação – municipal, estadual e federal – prometem uma paralisação dos trabalhos na próxima quarta (18) para protestar contra a medida, que altera normas que regem o trabalho dos servidores do Estado.
A pauta tramita atualmente na Câmara dos Deputados como Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32/2020 e pode ser votada até o final deste mês na comissão especial que discute o tema. A mobilização do funcionalismo tem o objetivo de evitar que isso ocorra.
Segundo os organizadores, o dia da greve contará com diversos atos públicos, panfletagem e outras atividades de protesto espalhadas por diferentes regiões do país. A paralisação é articulada pelas centrais sindicais e entidades de base e foi definida durante um encontro nacional das centrais, no final de julho.
O dirigente Sérgio Ronaldo, da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), afirma que as categorias se queixam de não terem sido ouvidas pela gestão Bolsonaro antes e após a apresentação da proposta de reforma. A medida foi protocolada pelo governo em setembro do ano passado e altera uma série de normas que regem o trabalho dos servidores do Estado.
“Não nos restou outra saída, a não ser ir para o enfrentamento, já que o governo federal não escuta os mais envolvidos nessa situação. Só quer fazer reunião com a Fiesp, com os bancos, e a proposta foi criada no seio dessa turma. Por conta disso, nós resolvemos radicalizar, que é a única alternativa que nos restou neste momento”, diz Ronaldo.
O diretor-executivo da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Pedro Armengol, destaca que diferentes trechos do texto da PEC preocupam o funcionalismo. Um dos pontos mais controversos é o fato de a proposta introduzir na esfera estatal os chamados “instrumentos de cooperação”, que permitem a execução compartilhada dos serviços entre entidades públicas e privadas.
Nessa modalidade, a União, o Distrito Federal, os estados e municípios ficam autorizados para firmar esse tipo de acordo, inclusive com a divisão da estrutura física e o uso dos recursos humanos. “É praticamente privatizar o serviço público, e nós entendemos que não é privatizando que vamos ter uma melhoria do serviço para a sociedade, principalmente para aqueles mais necessitados, por isso também a greve”, diz Armengol.
A PEC prevê ainda outras mudanças duramente criticadas pelo funcionalismo, como é o caso da proibição de adicionais por tempo de serviço, licenças-prêmio e outras licenças, exceto quando se trata de capacitação do servidor e diminuição de jornada sem redução de salário.
“É uma PEC que, na sua essência, não traz nenhuma perspectiva de ampliação das políticas de proteção social. Para nós, é uma narrativa mentirosa essa de que ela seria para a melhorar a administração. Ao contrário, ela conduz a uma visão de Estado mínimo social, de reduzir o que já é precário, e vem numa conjuntura de pandemia, que traduz uma necessidade de ampliação da rede de serviços públicos essenciais”, acrescenta Armengol.
A proposta é assinada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que alega que a PEC teria o objetivo de minimizar os gastos na administração pública, combater privilégios e “corrigir distorções”.
“Se eles queriam combater privilégios, deveriam ter incluído os magistrados, os parlamentares, os militares, os membros do Ministério Público, porque lá talvez existam alguns privilégios. É uma narrativa falsa”, contrapõe o diretor-executivo da CUT.
Outra proposta da PEC que causa polêmica entre os servidores é o fim da estabilidade. “A estabilidade não é para proteger servidor, e sim para proteger o cidadão, para que o agente público tenha autonomia e isenção para executar suas ações na prestação de serviço à sociedade, e não para atender os interesses fisiológicos e eleitoreiros”, argumenta Armengol.
A questão é uma das que mais preocupa o servidor público federal Francisco de Assis Silveira, que pretende aderir aos protestos nacionais na próxima quarta-feira. “O servidor não vai estar seguro de realizar o seu papel, não vai ter autonomia para realizar a sua função. Ele vai acabar sendo capacho de qualquer tipo de poder e não vai trabalhar à disposição da sociedade, mas sim em relação a interesses escusos, e isso é um dos pontos que precisam ser enfrentados”, diz.
Morador de Redenção, interior do Ceará, Silveira atua na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e diz temer um maior enxugamento do Estado, que está hoje já sob vigência da chamada PEC do Teto dos Gastos (55/2016), aprovada durante a gestão Temer e mantida por Bolsonaro, para congelar investimentos públicos em diferentes setores, inclusive em saúde e educação.
“A greve é importantíssima, é um ponto crucial pra que a sociedade entenda o que está em jogo com a reforma. Quanto mais mobilização, mais atenção social”.
As mobilizações dos servidores contra a PEC 32/2020 contam com o apoio dos parlamentares de oposição, que se organizam no Congresso por meio da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público – Servir Brasil. Presidente do grupo, o deputado Israel Batista (PV-DF) aponta que a greve ajuda a fortalecer a interlocução com a sociedade.
“Infelizmente, o debate sobre a reforma administrativa acabou não chegando onde deveria, que é no usuário final dos serviços públicos, e isso nos preocupa muito. A greve vai chamar atenção da população para o absurdo que é toda a reforma administrativa do governo Bolsonaro e o que ela representa”, diz o deputado.
Ele conta que os opositores seguem se mobilizando em diferentes fronts, inclusive por meio da tentativa de abrir um canal de diálogo com o governo sobre o tema. “Já mobilizamos também o Judiciário e procuramos, por todos os meios, impedir a tramitação da PEC 32 da maneira como ela tem sido levada adiante”.
A PEC 32 teve a admissibilidade aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em maio deste ano. Foi a primeira votação do percurso legislativo da proposta na Câmara. Caso receba aval da comissão especial que analisa o texto, a PEC seguirá para avaliação do plenário da Casa.
Fonte: CUT