Bolsonaro vai ao STF para não pagar ajuda a trabalhadores da saúde, vítimas da Covid

Governo argumenta que Lei não aponta fonte de recursos. Sindicalistas cobram ‘responsabilidade social e humanitária’ e questionam governo por gastar com emendas parlamentares e negar recursos a trabalhadores

Em uma clara demonstração de desprezo com o drama de milhares de trabalhadores e trabalhadoras da saúde que se arriscam diariamente para salvar as vidas de outros milhões de brasileiros que adoecem por causa da Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL), entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Lei 14.128/2021, que prevê compensação financeira a profissionais contraíram o novo coronavirus e tiveram sequelas ou ficaram incapacitados para exercer a profissão.

Bolsonaro alega que a lei não aponta de onde deverão sair os recursos (que são de responsabilidade da União) para indenizar os trabalhadores. No trecho do texto da ação enviada ao Supremo, o governo alega que a medida coloca em risco a responsabilidade fiscal e, por isso, é inconstitucional.

Para a secretária-adjunta de Administração e Finanças da CUT, Maria Faria, “é um absurdo Bolsonaro tratar o sofrimento dos trabalhadores como uma questão financeira”.

“O Estado tem recursos para emendas parlamentares, para garantir apoio ao governo. Como agora Bolsonaro diz que não tem recursos para essa questão tão fundamental?”, questiona a dirigente, apontando que os trabalhadores do setor desempenham suas funções em uma situação de alto risco – uma pandemia – e a responsabilidade do Estado é inegável.

“É questão de justiça e prioridade que valores sociais e humanitários sejam revistos”, diz a dirigente.

Muitos profissionais de saúde, trabalharam doentes, com sintomas e, mesmo sequelados pela Covid-19, voltaram às suas funções por não ter outra opção a não ser enfrentar novamente os riscos, para poder garantir renda e sobreviver.

Responsáveis pelos cuidados médicos com mais de 20 milhões de brasileiros que pegaram a Covid-19, esses trabalhadores não têm altos salários. Pelo contrário. De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged/eSocial), do Ministério da Economia, a média salarial é de R$ 2.066,71, o que os leva, muitas vezes a dobrar jornadas de trabalho, em dois (ou mais) empregos para compor orçamento familiar.

Por isso, diz Maria Faria, o mínimo que o Estado pode e deve fazer é dar as condições de sobrevivência para eles. ”Isso porque não há como indenizar a vida de quem morreu por causa da doença”, completa.

Insistência no desprezo à vida

A lei que prevê a indenização foi aprovada pelo Congresso, mas foi vetada por Bolsonaro. Após articulação e pressão de entidades como a CUT e a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS), junto com o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), autor da proposta, o Congresso derrubou o veto. Faltava apenas a regulamentação.

E foi neste entremeio que o presidente recorreu ao Supremo.

“Bolsonaro só busca o STF quando é para tirar direitos dos trabalhadores ou pra criar instabilidade política no país. Aprovamos a nossa lei 14128 no Congresso, Bolsonaro vetou. Derrubamos o veto no Congresso, Bolsonaro vai à Justiça .Tudo isso para negar a aqueles que trabalham na saúde uma indenização justa por terem sido afetados pela Covid-19, alguns perdendo a sua própria vida”, afirma Padilha, que também é médico infectologista e ex-ministro da Saúde.

Na mesma linha do deputado, o presidente da CNTSS, Sandro Cezar, afirma que com esta atitude, Bolsonaro demonstra mais uma vez sua forma de agir. “Ele não tem o menor compromisso com a vida e com a saúde dos trabalhadores”, diz o dirigente, que também é presidente da CUT Rio de Janeiro.

Ação

O que se espera agora, segundo Maria Faria e Sandro Cezar é que o STF tenha bom senso para não atender à reivindicação de Bolsonaro. A ministra Cármen Lúcia será a relatora do caso.

“Esperamos que o Supremo compreenda o significado dessa ação, o prejuízo que ela representa aos trabalhadores da saúde e não acate mais essa irresponsabilidade de Bolsonaro”, diz Maria Faria.

Sandro Cezar afirma ainda que não há outro caminho para as entidades que defendem a categoria a não ser recorrer ao STF, na figura de amicus curiae, para participar do julgamento e defender a constitucionalidade da lei. 

“A Lei foi uma vitória para nós, fruto de uma luta dos trabalhadores que são verdadeiros heróis nesse grave momento de crise sanitária que atravessamos”, pontua o dirigente”.

*Amicus Curiae é uma expressão usada para designar uma instituição que oferece subsídios, dados para as decisões dos tribunais – para que essas decisões sejam tomadas com base mais ampla de informações.

Não são apenas números. São trabalhadores

De acordo com o último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, até março de 2021, 484.081 desses trabalhadores já haviam sido infectados com o novo coronavírus.

Somente este ano, até o mês de junho, quase 113 mil profissionais de saúde foram diagnosticados com a doença. Os dados apontam ainda um total de 470 mortes até março – uma a cada 19 horas.

As profissões mais afetadas foram técnicos e auxiliares de enfermagem (29,5%), seguido dos enfermeiros (16,9%), médicos (10,6%) e agentes comunitários de saúde (5,3%).

A pasta estima de que existam no país 6.649.307 trabalhadores que atuam no segmento da saúde. A taxa de infecção desses profissionais é de 7,3%, contra 5% da população em geral.

O texto da Lei 14.128 prevê uma compensação a ser paga pela União, de R$ 50 mil, em uma única parcela aos trabalhadores vitimados pela doença. Em caso de morte, a indenização pode ser paga aos familiares dos trabalhadores.

Fonte: CUT