Liderança da juventude indígena, Tiara Pataxó diz que voto de Nunes Marques não surpreende, mas suspensão do julgamento provocou decepção e apreensão
A suspensão do julgamento do chamado “marco temporal” pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (16), após pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, provocou surpresa, decepção e apreensão entre os povos indígenas. “Quanto mais adiarem esse julgamento, que é tão importante e urgente, mais ficamos à mercê das invasões, violações de direitos e violências que acontecem dentro dos nossos territórios”, afirmou Tiara Pataxó, liderança da aldeia Novos Guerreiros, que fica na cidade de Porto Seguro, litoral da Bahia.
Em entrevista a Marilu Cabañas, para o Jornal Brasil Atual nesta quinta (15), Tiara disse que o voto do ministro Kassio Nunes Marques a favor da tese que beneficia ruralistas e grileiros “não surpreende”.
Para a advogada Paloma Gomes, assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o voto do ministro está alinhado aos interesses do “agronegócio”. O que chamou a atenção foi sua defesa do marco temporal como forma de “anistiar” as invasões de terras indígenas ocorridas ao longo da história.
“Esse contexto de violência não pode ser esquecido. Não pode o Estado vir a legitimar a violência sofrida pelos povos indígenas e o ministro Nunes Marques foi muito enfático nesse voto contraditório. Ele começa falando desse histórico de violência, mas, ao final, vem propor a tese do marco temporal”, analisou Paloma.
Assim como Tiara, a advogada também espera que o julgamento seja retomado o mais brevemente possível. Pelo Regimento Interno do STF, os ministros têm prazo de 30 dias para devolver o processo, após pedido de vista, no entanto, esse prazo pode ser prorrogado. Além disso, o julgamento poderia ser adiado também por conta do recesso judiciário no final do ano.
Por outro lado, Paloma destaca que, ao dar dedicação exclusiva a esse julgamento nas últimas semanas, o presidente Luiz Fux sinaliza ter compreendido sua urgência e relevância. Ela destacou ainda que Moraes tem histórico de celeridade na análise dos processos.
A líder pataxó ressaltou que, além dos indígenas que permanecem acampados em Brasília, os povos também estão mobilizados em seus territórios. Na sua região, que congrega 44 aldeias, os indígenas realizam bloqueios nas rodovias federais durante as sessões do julgamento.
“A gente continua mantendo a mobilização contra esse governo e contra qualquer tipo de retrocesso”, disse Tiara. “É importante para as pessoas terem um olhar de empatia para com os povos indígenas. Para que elas tomem essa dor para si, e apoiem o movimento”, acrescentou.
Ela repudiou as últimas declarações do presidente Jair Bolsonaro. Durante cerimônia no Palácio do Planalto nesta quarta (15), ele afirmou que seria “catastrófico” para o agronegócio, caso o STF decida pela inconstitucionalidade do marco temporal. Chegou até mesmo a dizer que faltaria comida na mesa do brasileiro, em função dessa decisão.
“Se faltar comida, a culpa é do presidente, que não sabe fazer uma boa administração. As pessoas têm que parar de alimentar as ideias dele, porque a gente sabe muito bem qual é o seu projeto. Desde sempre, ele é contra os povos tradicionais, indígenas e quilombolas. Falou que não iria demarcar território nenhum, e está mantendo a palavra. Pelo contrário, está incentivando que ruralistas invadam os nossos território”, reagiu.
Fonte: Rede Brasil Atual