Recentemente, a atual Direção Central do INSS divulgou o Relatório de Gestão de 2020 da autarquia (clique aqui e leia sua íntegra). A Fenasps fez uma análise desta publicação, e o objetivo deste artigo é contrapor alguns pontos do relatório, evidenciando os assuntos que aparecem apenas de forma subliminar, e lançando luz sobre eles, tão caros para a população brasileira e os servidores e servidoras do Seguro Social.
Com a aprovação da Emenda Constitucional (EC) nº 103/2019, a contrarreforma da Previdência do governo Bolsonaro, as alterações gerenciais nos últimos anos no âmbito do INSS têm cobrado um alto preço em saúde e direitos, seja da população atendida, seja dos servidores e servidoras da autarquia. Podemos citar alguns pontos, entre outros, especialmente:
Como política de gestão no contexto de um amplo projeto político de reformulação do Estado brasileiro, aprofundando as políticas neoliberais com cortes de direitos da classe trabalhadora, tais elementos têm pavimentado um modelo perverso de entrega das políticas públicas ao mercado, demonstrando de maneira acelerada a destruição da Previdência Social pública e a precarização do trabalho dos servidores e servidoras do instituto, evidente no trecho do planejamento do INSS que expõe sobre a reestruturação da autarquia.
“Reestruturação Organizacional para a Transformação Digital que o Instituto vem implementando, incluindo reformulação do regimento interno e competências de toda a rede, redimensionamento da força de trabalho e indicadores de desempenho considerados para avaliação individual e institucional; e INSS Superavitário, englobando estratégias de arrecadação de receitas próprias para garantir o funcionamento da Autarquia sem a necessidade de recursos tributários, utilizando como instrumentos a operacionalização da folha de pagamentos, ressarcimento de custos com crédito consignado e cobrança administrativa” (Relatório de Gestão INSS, 2020, página 25).
Este “INSS Superavitário” nada mais é que a mesma lógica utilizada nas agências bancárias, onde as próprias agências precisam sustentar seus custos operacionais. Recentemente, centenas de agências do Banco do Brasil foram fechadas porque não cumpriam esses requisitos. Uma dinâmica análoga tem sido aplicada pelo INSS, com o fechamento de diversas agências em cidades de pequeno porte ou pressionando as Prefeituras a assumirem os gastos com a estrutura do Instituto.
Essa tendência da gestão do INSS de extinguir cada vez mais o atendimento presencial nas unidades do INSS e, portanto, fechar agências, é demonstrado no relatório com dados concretos. Antes do período da pandemia, os atendimentos presenciais eram cerca de 4 milhões por mês; atualmente, mesmo com a reabertura de 69% das agências do INSS os atendimentos presenciais são apenas cerca de 700.000 por mês. Evidencia-se ainda que todas as agências não foram reabertas devido o sucateamento dos prédios do INSS que não possuem nem mesmo condições de adequação as condições sanitárias.
Ou seja, a tendência é a extinção do atendimento presencial ou terceirizar esse atendimento e cada vez mais os servidores e servidoras serem pressionados para adesão ao teletrabalho, custeando a estrutura do INSS e com metas de produtividade insanas. Um exemplo cabal disso é o assédio institucional aos assistentes sociais para a realização de teleavaliação social para análise da deficiência do Benefício de Prestação Continuada (BPC), medida que fere o modelo social da deficiência e a ética profissional desses profissionais, além da impossibilidade de acesso dessa população a uma videoconferência. É uma farsa divulgada pelo presidente do INSS que a teleavaliação resolverá os problemas de represamento desse benefício, é necessário concurso público!
Ainda, o relatório expõe a redução de direitos com a contrarreformas e medidas provisórias que instituíram os chamados “pentes finos” no INSS: “os efeitos foram substanciais, gerando redução de aproximadamente R$ 10 bilhões em relação ao que havia sido projetado na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020” (INSS, 2020, p.05). Esse corte de direitos, considerando que a maioria dos benefícios equivale a um salário-mínimo, representa mais de 900.000 mil cidadãos e cidadãs que deixaram de ter acesso à política de Previdência Social em plena crise sanitária no país. Destaca-se que as barreiras de acesso, com o aprofundamento da implantação das plataformas digitais e precarização do reconhecimento do direito com as metas de produtividade, são fatores que contribuíram para esse cenário.
A FENASPS vem reiteradamente denunciando o caos estrutural no INSS, desde a estrutura nas unidades, equipamentos e a insuficiência de servidores, um dos problemas que impossibilitam o atendimento da demanda crescente na autarquia. Diante disso, o INSS vem implementando e impondo amplamente o produtivismo, gerando alto índice de adoecimento na categoria do Seguro Social. As alterações arquitetadas pelo INSS não resolveram os problemas estruturais na autarquia.
As pressões sobre os servidores foram de tal nível que no ano de 2020 houve um incremento de 75% relação à 2019 na produtividade dos servidores, conforme o relatório de gestão do INSS. Foram mais de 13 milhões de requerimentos analisados, sendo que houve uma redução de quase 50% no quadro de servidores nos últimos 5 anos.
Tal ganho de produtividade não se deu por medidas “milagrosas” no âmbito da gestão, mas sim por meio da intensificação do trabalho dos servidores e também pelo aumento das jornadas de trabalho. E mesmo assim há um total de 2 milhões de processos em análise. O INSS deixa muito claro qual a função dos programas de gestão: impor ainda mais produtividade para que o atual quadro defasado de servidores dê conta de uma demanda cada vez maior de trabalho. O resultado, foi que o incremento de produtividade que também aprofundou o adoecimento da categoria, com aproximadamente 70 % de servidores afastados por problemas de saúde.
O governo iniciou com a política de bônus de produtividade, que caracterizava-se como “hora extra sub-remunerada”. Os servidores e servidoras passaram a ampliar sua jornada para 10, 12, 14 horas. Agora, o INSS simplesmente amplia a jornada de trabalho e sucessivamente as metas de produtividade, desse vez sem bônus, literalmente armando a “bomba no bolso” de servidores e servidoras.
No relatório de gestão do INSS, ficam claro os objetivos, “aumento da produtividade dos servidores do INSS com a definição de meta superior ao trabalho executado no ambiente físico” (INSS, 2020, pág. 86), resultando assim, na intensificação, precarização, ampliação do tempo de trabalho e o assédio moral institucionalizado na autarquia.
O projeto do atual presidente do INSS, Leonardo Rolim, é a extinção da jornada de trabalho, conquista histórica do conjunto da classe trabalhadora e substituição pelos programas de gestão, alterações aprofundadas recentemente com o fim do Regime Especial de Atendimento em Turnos (REAT), afirmado nesse mesmo relatório: “Esta iniciativa que propõe um Projeto voltado para as Agências da Previdência Social – APS, traz em seu escopo a substituição do Regime de Atendimento em Turnos – REAT, pela metodologia de gestão por resultados do Programa de Gestão Único – PGU”.
A gestão do INSS se nega a reconhecer que o principal problema do Instituto é a falta de servidores, contando hoje com aproximadamente 22 mil cargos vagos, além da precariedade dos sistemas. Ao invés disso, aprofunda a política de produtivismo a qualquer custo, de arrocho salarial, responsabilizando diretamente os servidores pelo caos estrutural de uma gestão cujo objetivo nunca foi melhorar o INSS e sim consolidar a destruição da Previdência Pública e entregá-la aos bancos, por meio do Regime de Capitalização Individual. Na prática, está é a missão para a qual o atual Presidente do INSS, Leornado Rolim foi escalado, num arremedo de Chicago Boy.
Sem dúvidas, a próxima medida será a vinculação das metas de produtividade individuais à Gratificação de Desempenho de Atividade do Seguro Social (GDASS), certamente resultando em mais perdas salariais aos servidores(as) e até construção de dossiês para fundamentar demissões. Essa proposta da modificação na forma de mensuração da GDASS também consta no planejamento estratégico do INSS. Tudo isso para que o presidente do INSS cumpra o acordo que assinou com o Ministério Público Federal (MPF), mesmo tendo conhecimento de que o INSS não possui a mínima estrutura para analisar os requerimentos nos prazos acordados, sob o risco de responder por improbidade.
Diante de toda essa visível destruição, tentam iludir os(as) servidores(as) com a existência de uma suposta carreira de estado, em um contexto que o governo quer aprovar uma contrarreforma Administrativa (PEC nº 32) que no seu escopo principal significa o desmantelamento dos serviços e políticas públicas no país. O planejamento do INSS até 2023 expressa concretamente que o objetivo é acabar com a Previdência Social pública e com a carreira do Seguro Social – é a contrarreforma administrativa já em curso no âmbito da autarquia. Inclusive, cabe citar que o relatório de Gestão de o Planejamento Estratégico do INSS não possui uma linha sequer sobre a valorização dos(as) servidores(as) e da carreira, elenca apenas estratégias, pressões e ardis para pressionar ainda mais os trabalhadores a cumprirem metas.
Com os programas de gestão, as metas de produtividade, a sucessiva retirada de direitos dos(as) servidores(as) e o assédio moral institucionalizado, a lógica do INSS é “sugar” a saúde e vida dos(as) servidores(as), deixando em seu rastro de superexploração trabalhadores(as) descartáveis ou, no máximo, aposentados(as) por invalidez com redução extrema de suas remunerações.
Portanto, é fundamental a unidade da categoria do Seguro Social e denunciar a toda a sociedade as medidas que vem sendo implementadas no INSS que afetam o acesso ao direito da população. A extinção do REAT, além de ampliar a jornada de trabalho dos(as) servidores(as), que certamente impactará na ampliação do adoecimento, na qualidade do trabalho prestado a população, tem como foco REDUZIR AINDA MAIS OS ATENDIMENTOS NAS AGÊNCIAS, com a realização de atendimento apenas em um turno e operacionalizando o fechamento das mesmas já no curto e médio prazo, como já temos amplamente assinalado.
Além destas medidas, o processo de privatização e terceirização corre em ritmo acelerado. Além dos acordos com a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) para leilão da folha de pagamento (o interesse dos bancos é ter acesso aos dados dos segurados e assim lucrarem oferecendo empréstimos consignados que derretem a renda dos aposentados e pensionistas), a OAB, Prefeituras e recentemente a terceirização dos requerimentos de pensão por morte e salário-maternidade para os cartórios.
Por trás de belos gráficos, cores exuberantes e um modelo de análise e apresentação com conotações de alto nível de administração corporativa e gerencial, traveste-se um programa, um projeto. Nele, um plano muito bem elaborado posto em ação já no governo Temer, e ampliado e potencializado no governo entreguista de Bolsonaro, vem enxugando a máquina estatal já precarizada, com vistas a ampliar a participação do mercado e a final privatização dos serviços previdenciários.
Um belo relatório caiado, que nem de longe reflete as mazelas e dificuldades que diariamente passam milhares de brasileiros e brasileiras que buscam acesso aos seus direitos junto ao Seguro Social, bem como, a falta de orientação, respeito e dignidade a que estão sujeitos os servidores(as) da instituição.
Nesse sentido, a FENASPS reitera as orientações:
Em defesa da Previdência Social Pública!
Nenhum direito a menos para a classe trabalhadora!
Fonte: Fenasps