Calor intenso e duradouro, alterações na circulação do vírus e a falta de conscientização da população e de ações de governos explicam a alta de casos de dengue no início deste ano.
Todo verão traz consigo o aumento dos casos de dengue no Brasil. Mas, em 2024, esse número explodiu.
No primeiro semestre de 2023, ano até então com os piores índices da doença desde o início da série histórica, houve 989.924 casos de dengue. Nas mesmas 17 semanas de 2024, esse número já ultrapassa os 4 milhões. Quando se fala de mortes, os dados são ainda mais preocupantes: em todo o ano passado, foram registrados 1.094 óbitos. Neste ano, já são 2.073 vidas perdidas.
Mas o que explica o avanço tão drástico da dengue pelo país?
As transformações no clima mundial não são surpresa para ninguém. Os cientistas já vêm alertando para o problema há décadas, e a tendência é que a situação só piore. Ainda no fim de 2023, algumas das consequências previstas começaram a aparecer.
“A gente teve um aumento da temperatura em grande parte do país de forma precoce. No final de outubro e começo de novembro, em muitos locais, a média diária já ultrapassava os 25°C”, comenta o infectologista Alexandre Naime, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Nessa época, meses da primavera, não se esperavam temperaturas tão elevadas. Além de começar mais cedo e também terminar mais tarde, o calor veio com mais intensidade. Mesmo no início do outono, as médias de 30°C e 35°C permanecem em diversas regiões.
“Isso é muito crítico por conta da eclosão dos ovos do Aedes aegypti [mosquito transmissor da dengue]. Médias acima de 26°C, 27°C otimizam a reprodução do mosquito, porque facilita a eclosão dos ovos e também aumenta a reprodução e o ciclo de vida acelerado”, destaca o infectologista.
A alta pluviosidade piorou a situação. Junto com as ondas de calor, houve grandes volumes de chuva no Brasil como um todo. Isso facilita a reprodução do Aedes aegypti, já que aumenta a quantidade de criadouros — isto é, locais com água parada.
A dengue pode ser causada por diferentes sorotipos, ou seja, variações de uma mesma espécie de vírus. São quatro ao todo, chamados de DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4.
Até 2023, o sorotipo do vírus que predominava no Brasil era o DENV-1. No entanto, a partir da metade do ano, esse cenário mudou: o DENV-2 passou a predominar no território nacional. O DENV-3 e o DENV-4 também começaram a circular, embora com menos frequência.
O problema é que, se uma pessoa for infectada por um sorotipo, ela fica imune apenas àquele, mas continua suscetível aos outros três.
“A dengue grave, que é quando o sistema cardiovascular pode entrar em colapso e também acontecerem eventos hemorrágicos, é mais frequente na segunda, terceira ou quarta infecção”, alerta o coordenador científico da SBI.
Todo mundo sabe que a principal medida de prevenção da dengue é não deixar água parada, por exemplo, em pneus, latas e vasos de plantas. No entanto, de acordo com pesquisas realizadas pelo Ministério da Saúde, secretarias estaduais e municipais, 80% dos criadouros do mosquito ainda estão dentro das residências.
“A informação existe. Mas a população não transforma essa informação em um hábito, em uma mudança de atitude. Ou seja, a comunicação precisa ser mais assertiva do ponto de vista educacional”, aponta o dr. Alexandre.
De acordo com o especialista, existe uma baixa percepção de risco individual. Muitas pessoas não assimilam que a dengue pode, sim, matar; e acreditam que é apenas uma doença leve. Mas os números mostram outra realidade na prática: o vírus pode provocar quadros graves e até óbitos, principalmente em populações mais vulneráveis, como idosos, crianças e adolescentes.
“Mas a gente não pode somente responsabilizar a população. É importante chamar a crítica a todas as esferas de governo. A gente sabe que existe uma vigilância epidemiológica que tem que ser feita de domicílio em domicílio, com a educação da população mais afetada, e isso infelizmente não funciona de forma assertiva em todos os municípios”, pontua o infectologista.
Em meio a explosão de casos, a vacina Qdenga, desenvolvida pelo laboratório Takeda, chegou ao Brasil. O imunizante foi incorporado à rede privada em março de 2023 e incluído no SUS em dezembro.
A questão é que o laboratório não tinha estoque suficiente para atender a demanda. O Ministério da Saúde adquiriu todas as doses disponíveis para 2024 e 2025, o que permitirá a vacinação de cerca de 3,2 milhões de pessoas com o esquema completo (duas doses). Dessa forma, o foco da campanha foi para as crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, público com o maior número de hospitalizações pela doença.
“As ações de vacinação foram feitas para um público muito restrito, porque não há um constitutivo de vacina suficiente para ter impacto na saúde pública. O estoque que a Takeda tem esse ano é pequeno. A gente espera que ano que vem seja um quantitativo maior”, explica o dr. Alexandre.
Futuramente, além da Qdenga, o Brasil também terá disponível a Butantan-DV, imunizante produzido nacionalmente pelo Instituto Butantan. Para o especialista, ainda que pequeno, o primeiro passo foi dado. Com o avanço da vacinação, talvez possamos, enfim, eliminar a dengue como um problema de saúde pública.
Hoje, o Programa Nacional de Imunizações brasileiro é um dos mais completos do mundo, com diversos imunizantes disponíveis gratuitamente. Mas as baixas coberturas vacinais em todo o país acabam colocando a população em risco para epidemias antes controladas e que agora podem retornar. Pensando nisso, a Sociedade Brasileira de Infectologia criou a campanha “Tá Vacinado?”, uma ação que busca conscientizar principalmente a população adulta sobre a importância de manter o calendário vacinal atualizado. Saiba mais clicando aqui.
FONTE: PORTAL DRAUZIO VARELLA