Aliada da Reforma Administrativa, Folha de São Paulo legitima Precarização dos Serviços Públicos e a demissão sumária de servidores

Em reportagem de capa, publicada em 17/11/2024, o Jornal Folha de São Paulo afirma que “80% dos entrevistados defendem a demissão de servidores por mau desempenho, diz o Datafolha. Apesar do aparente rigor jornalístico da reportagem e da chamada, na prática, trata-se de mais uma matéria tendenciosa, no sentido de criar um terreno favorável para o desmantelamento dos serviços públicos e da privatização de serviços que hoje são gratuitos, com o intuito de transformá-los em setores lucrativos para o empresariado.

O ponto de vista colocado pela reportagem é que a avaliação da qualidade dos serviços prestados à população se deve única e exclusivamente ao “desempenho” dos servidores. O que a Folha de São Paulo parece esquecer é o processo paulatino de imposição de medidas neoliberais, com o sucateamento de diversas áreas, redução brutal do quadro de servidores em muitos órgãos, a sobrecarga de trabalho e o consequente adoecimento dos servidores. Neste quadro, é bastante cômodo individualizar a culpa pela má qualidade prestação dos serviços prestados à população sobre os servidores públicos, que na sua grande maioria padecem das mesmas mazelas que todo o conjunto da população, tendo que enfrentar problemas de transporte público, arrocho salarial e péssimas condições de trabalho.

Segundo a reportagem, “agências do INSS e da Receita Federal tem a pior avaliação, com apenas 33% de ótimo/bom”.  Porém, tal critério pode ser muito relativo e amplo em relação ao serviço prestado. Um requerimento indeferido ou a demora na análise de um processo, podem, obviamente, ensejar uma análise ruim em relação à qualidade do serviço prestado. E tais fatores não podem ser imputados diretamente a um suposto “mau desempenho” do servidor.  No caso do INSS, é emblemático o fato de que nos últimos anos, a autarquia perdeu quase 50% do seu quadro funcional, contanto hoje com aproximadamente 24 mil vacâncias e menos de 20 mil servidores ativos, sem contar o sucateamento dos locais de trabalho, precariedade do parque de informática e sistemas obsoletos com constantes indisponibilidades. Sem contar, ainda que 70% dos salários dos servidores no INSS depende de uma gratificação de desempenho vinculada à meta de produtividade.  Porém, mesmo nessas condições, o que a reportagem não cita é que os serviços possuem avaliação ótima e regular por mais de 60% dos entrevistados, o que demonstra a dedicação dos serviços no exercício das suas funções   Mesmo com a redução acentuada do quadro dos servidores, o INSS tem aumentado a produtividade, ao custo da pressão sobre os seus trabalhadores, ocasionando níveis alarmantes de adoecimento na categoria.

Na Saúde, a situação é ainda mais preocupante. Hoje, boa parte dos trabalhadores deste setor já são contratados através de vínculos precários com organizações sociais, ou seja, já são trabalhadores no setor público com direitos trabalhistas frágeis e à mercê de pressões políticas. Há quase 40 anos não é realizado concurso público no Ministério da Saúde para médicos, enfermagem e demais profissionais para garantir um atendimento digno e de qualidade para população. Muitos servidores  trabalham doentes e em jornadas exaustivas para conseguirem atender a demanda.

  Durante o período da pandemia, os servidores públicos, especialmente na Saúde, foram fundamentais para evitar que houvesse uma política de morte ainda maior contra a população. Foram estes trabalhadores que de forma abnegada, muitas vezes, entregaram suas vidas e garantiram a vacinação de milhões de pessoas.  Segundo a Fiocruz. Link: https://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/estudo-aponta-que-mais-de-45-mil-profissionais-de-saude-morreram-durante-o-auge#:~:text=de%20Covid%2D19-,Estudo%20aponta%20que%20mais%20de%204%2C5%20mil%20profissionais%20de,da%20pandemia%20de%20Covid%2D19), mais de 4.5 mil profissionais de Saúde morreram durante o auge da pandemia, mesmo sem dados oficiais de quantas pessoas trabalharam na linha de frente no combate à COVID -19, sendo que dos mortos, 70% eram auxiliares ou técnicos de enfermagem e 24% eram enfermeiros.

E recentemente, após 5 anos, o Brasil recebeu o status de país livre do sarampo, graças ao trabalho de servidores públicos, que além de lutar contra as péssimas condições de trabalho enfrentam o discurso negacionista contra as vacinas.

Mesmo com as péssimas condições de trabalho, o desmonte e o sucateamento geral dos serviços públicos, piorados após a aprovação de medidas como o teto de gastos, e hoje o arcabouço fiscal, que engessam os investimentos nos serviços públicos em favor do mercado financeiro, os servidores têm mantido os serviços públicos funcionando, a despeito dos governos de plantão. Na prática, a reportagem da Folha realiza uma campanha tendenciosa, eivada de informações incompletas e distorcidas para favorecer uma reforma administrativa que tem como objetivo privatizar os serviços públicos.

Na cidade de São Paulo, poderíamos citar como a privatização dos serviços e a contratação de trabalhadores através vínculos precários piora a qualidade do serviço prestado. O caso mais emblemático é da Enel, empresa que assumiu a distribuição de energia elétrica após privatização da Eletropaulo, que deixou milhões de pessoas sem energia por reiteradas vezes por vários dias, devido a falta de manutenção na rede e demora no atendimento.  Outro caso é da Via Mobilidade, responsável pela operação das linhas 8 e 9 dos trens metropolitanos, que possui falhas constantes na operação e que já colocou em risco a vida dos passageiros devido à panes elétricas e curto- circuitos dos trens. Como se não bastasse o caos cotidiano da privatização dos serviços, até morte foi privatizada com a concessão dos cemitérios de São Paulo às empresas privadas, cujos custos para sepultamento triplicaram. Segundo sindicato dos servidores da cidade de São Paulo, SINDSEP “antes da privatização, o custo total de um pacote de serviços para enterro de uma pessoa ficava em R$ 428,04, na categoria “popular”; R$ 863, na “padrão”; e R$ 1.507,32, na “luxo”, conforme levantamento do SINDSEP. Depois da concessão das unidades à iniciativa privada, os valores passaram para R$ 1.494,14; R$ 3.408,05; e R$ 5.737,25, respectivamente. Na cremação, antes da privatização, o custo ficava em R$ 609,76, na categoria “popular”; R$ 1.126,25, na “padrão”; e R$ 2.244,43, na “luxo”, apontou o SINDSEP. Depois da concessão, os valores passaram para R$ 2.333,20; R$ 5.487,91; e R$ 7.804,95, respectivamente.” (https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-11/preco-de-enterros-triplica-apos-concessao-de-cemiterios-em-sp).

 Ou seja, inclusive a morte se torna uma mercadoria bastante rentável, mesmo que isso custe a perda da dignidade da classe trabalhadora.  

Outro ponto que a Folha parece esquecer é que não existe estabilidade absoluta do servidor público.  A Lei 8112/1990, o Regime Jurídico Único, prevê a demissão de servidores públicos, mesmo com estabilidade,  no caso de crime contra a administração pública, abandono de cargo, inassiduidade habitual, improbidade administrativa, incontinência pública e conduta escandalosa, insubordinação grave em serviço, ofensa física, em serviço a servidor ou a particular, utilização irregular do capital público, faltas injustificadas em(30 dias consecutivos ou 60 durante o período de 12 meses, bem como, comportamento desidioso. Todos os anos, centenas de servidores são demitidos por descumprirem a lei 8112, inclusive, no que tange a boa prestação do serviço à população. Desta forma, a estabilidade, está única e exclusivamente vinculada à necessidade de prestação do servidor público, independente de pressões políticas e dando garantias ao exercício de função, conforme exige a legislação, mesmo que isso contrarie interesses de terceiros. A estabilidade é no cargo público é uma garantia fundamental do estado democrático de direito que foi definido pelo Constituição de 1988.

Fica nítido, portanto, o interesse da Folha em fazer coro com o mercado financeiro e com o empresariado a favor da Reforma Administrativa, atacando não só os direitos dos servidores, mas a própria execução do Serviço público, quando pregam abertamente a demissão sumária de servidores pelo expediente vago da “insuficiência de desempenho”.  A própria Folha já havia noticiado a “coalização” de setores varejista em defesa da reforma. Link: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/10/setores-de-varejo-e-servicos-lancarao-coalizao-por-reforma-administrativa-com-14-propostas.shtml

Além das ofensivas da imprensa junto à população para manipular o debate em prol da reforma Administrativa, há um verdadeiro conluio entre os três poderes para desmantelar os serviços públicos prestados à população, vide a recente decisão do STF no dia 06/11/2024, quando o STF julgou a ADIn 2135, impetrada pelos partidos, PT, PDT, PCdoB, PSB, por 8 oito votos favoráveis e 3 votos contrários, validou a Emenda Constitucional 19/1998, que desde 2007 estava suspensa por decisão liminar do próprio STF. A EC 19/1998, faz parte do projeto de “reforma do Estado” promovido por FHC e Bresser Pereira nos anos 1990, com o objetivo de acabar com a estabilidade dos servidores públicos, desmantelar os serviços prestados à população e tornar os serviços gratuitos oferecidos pelo Estado lucrativos para empresas privadas, conforme denunciado pela Fenasps. Link: https://fenasps.org.br/2024/11/14/o-stf-em-conluio-com-os-demais-poderes-legitima-a-reforma-administrativa/

Mais do que nunca, é fundamental a unidade dos trabalhadores dos setores públicos e privado na luta contra a reforma administrativa. Se por um lado, trata-se de um ataque contra os servidores públicos em todas as esferas, tal medida irá piorar o serviço prestado à população, acabando a com a gratuidade de muitos serviços e aumentos de custos em Outros.

Brasília, 18 de novembro de 2024.

Diretoria Colegiada da FENASPS

Confira a seguir a capa da publicação da Folha de S.Paulo, domingo, 17 de novembro de 2024