Em palestra no 40º Enafit (Encontro Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho), no último dia 18 de novembro, em Maceió (AL), ao tratar das PEC (propostas de emenda à Constituição) 555/06 e 6/24, busquei apresentar histórico da instituição da cobrança de contribuição de aposentados e pensionistas do serviços público, desde as ofensivas nos governos Fernando Collor e Fernando Henrique, passando pela implementação no governo Lula 1, e pela decisão do Supremo Tribunal Federal que a declarou constitucional, até as tentativas frustradas da extinção nos últimos 20 anos, cujo resumo compartilho neste artigo.
Antônio Augusto de Queiroz*
Inicialmente, cabe registrar que até a EC 3, de 17 de março de 1993, durante o governo Itamar Franco, o servidor público não contribuía para a Previdência, apenas para a pensão. Somente a partir da inclusão do § 6º no artigo 40 da Constituição, determinando que “As aposentadorias e pensões dos servidores serão custeadas com recursos provenientes da União e das contribuições dos servidores, na forma da lei”, é que os servidores passaram a contribuir para a aposentadoria, além da pensão.
Leia também:
Nota Técnica: Contribuição de aposentados e pensionistas para os RPPS
A pressão do mercado, da mídia e dos governadores e prefeitos sobre o Congresso para aprovar a contribuição sobre aposentados e pensionistas, bem como sobre o STF para declarar a constitucionalidade, foi avassaladora. A explicação está nas tentativas dos diversos governos para taxar os inativos do serviço público entre 1991 e 2003.
Antes da EC 41, de 2003, que autorizou a cobrança de contribuição também dos inativos, houve várias tentativas frustradas de instituição dessa cobrança sobre os proventos de aposentados e pensionistas do serviço público, incluindo ainda no governo Collor, por intermédio do chamado Emendão, conforme segue:
Tentativas frustradas
1ª – PEC 59, de 1991 — governo Collor — conhecida como Emendão;
2ª – PL 2.474, de 1992, no governo Collor, que previa que os aposentados e pensionistas da Previdência Social contribuiriam para o custeio da Seguridade Social com 7% e 3,5%, respectivamente, sobre os valores dos benefícios;
3ª – Revisão Constitucional de 1993 – parecer do então deputado relator Nelson Jobim;
4ª – PL 914, de 1995 — governo FHC — rejeitado na Câmara;
5ª – PEC 33/95 — governo FHC — rejeitada na admissibilidade da PEC;
6ª – PEC 33 — substitutivo do Senado institui contribuição —, que foi rejeitada no segundo turno de votação na Câmara;
7ª – MP 1.646-47, governo FHC, por acordo em plenário, isentou os aposentados e pensionistas da contribuição nas edições seguintes;
8ª – MP 1.720-1, de 1998, governo FHC, rejeitada por 205 votos a 187;
9ª – Decisão do STF (ADI 2.010 DF, proposta pelo OAB) que declarou inconstitucional a Lei 9.783, de 1998, por falta de base constitucional e por configurar confisco, já que a contribuição podia chegar até 25% do provento; e
10ª – PEC 136, de 1999, governo FHC, que ficou sem deliberação até a reforma de Lula.
Reduzir dos benefícios dos servidores idosos
Por meio da EC 20, de 15 de dezembro de 1998, o governo Fernando Henrique abre o caminho para reduzir os benefícios dos servidores idosos, de 1 lado, incluindo no caput do artigo 40 da Constituição as expressões “de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial”, para permitir a cobrança da contribuição, e, de outro, revogando o inciso II do § 2º do artigo 153 da Constituição, para eliminar a isenção de imposto de renda, que dizia:
“II – não incidirá, nos termos e limites fixados em lei, sobre rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, pagos pela previdência social da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, a pessoa com idade superior a 65 anos, cuja renda total seja constituída, exclusivamente, de rendimentos do trabalho”.
Mas, apesar dessas mudanças, a cobrança da contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas esbarrava em 2 óbices:
1) bitributação de segmento, no caso os aposentados e pensionistas; e
2) interpretação de que se “nenhum benefício poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio”, o inverso também seria verdadeiro, ou seja, “nenhuma fonte nova de custeio da Seguridade Social poderá ser criada sem o correspondente benefício”.
EC 41 – instituição da contribuição
Frustradas as tentativas anteriores, o governo Lula 1, por meio da EC 41, de 19 de dezembro de 2003, incorporou no caput do artigo 40 da Constituição, assim como já tinha feito a Emenda 20 de FHC em outras bases, as expressões “de caráter solidário” e “servidores inativos” e a palavra “pensionistas”, criando as condições para editar a MP 167/04, convertida na Lei 10.887/04, que deu efetividade à cobrança.
A contribuição autorizada na EC 41 e regulamentada pela Lei 10.887/04 (oriunda da MP 167/04), estabelecia que a contribuição incidiria, no caso da União, sobre a parcela do provento que excedesse a 60% do teto do INSS (inciso II, do parágrafo único, do artigo 4º da EC 41) e, no caso dos estados/Distrito Federal e municípios, sobre a parcela do provento que excedesse a 50% do teto do INSS (inciso I, do parágrafo único do artigo 4º da EC 41).
A regra instituída pela EC 41/03, portanto, era mais prejudicial aos aposentados e pensionistas do que a decisão do STF, que a declarou constitucional.
ADI contra a EC 41 – contribuição dos inativos
O STF, ao julgar a ADI 3.105, proposta pela Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) contra os incisos I e II do parágrafo único do artigo 4º da EC 41/03, que autorizavam a cobrança de contribuição previdenciárias de aposentados e pensionistas do serviço público, entendeu que não poderia haver percentuais diferenciados de isenção do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), a cargo do INSS (Instituto Nacional de Seguro Social), cujos aposentados e pensionistas são isentos de contribuição, em relação RPPS (Regime Próprio de Previdência Social), nem dentro do regime dos servidores públicos, determinando que os aposentados e pensionistas do RPPS fossem isentos até o teto do INSS, tal como são isentos os aposentados e pensionistas do setor privado vinculados ao RGPS.
A relatora da ADI 3.105, ministra Ellen Gracie, sob o fundamento de que não pode haver nova contribuição se não há novo benefício, como prevê a boa doutrina previdenciária, votou pela inconstitucionalidade da cobrança, mas o então presidente da Corte, ministro Cezar Peluso, pediu vista e veio com voto divergente, em favor da cobrança, sob o fundamento de que se tratava de tributo e com a tese de “inexistência do direito adquirido dos aposentados e pensionistas de não pagar tributos”.
Com este fundamento tributário, e sob a alegação de que os aposentados e pensionistas tinham direito à paridade de remuneração com os servidores ativos, o voto divergente do ministro Cesar Peluso, que reconhecia como constitucional a cobrança acima do teto do INSS, saiu vencedor, contra os votos de Ellen Gracie e Ayres Brito.
O STF, portanto, acabou com a diferença entre servidores da União e dos estados e municípios e uniformizou a isenção até o teto do INSS, estendendo aos aposentados e pensionistas do Regime Próprio a mesma imunidade dos proventos dos aposentados e pensionistas do Regime Geral de Previdência Social. Entretanto, a decisão do STF, ao reconhecer a cobrança, em nossa opinião, foi política e ignorou o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e o princípio da irredutibilidade de vencimentos.
PEC 555 – proposta de extinção imediata da contribuição
A PEC 555/06, do ex-deputado Carlos Mota (PSB-MG), foi a saída política encontrada diante da decisão equivocada do STF, que, contrariando os princípios constitucionais, referendou a cobrança.
A PEC pretende, para corrigir a injustiça contra aposentados, pensionistas, e aposentáveis, simplesmente eliminar a contribuição do texto constitucional. E o raciocínio de Carlos Mota era absolutamente simples e correto: ninguém deve pagar 2 vezes para 1 único benefício. Se o governo quisesse instituir imposto compulsório, que o fizesse para todos os contribuintes e não apenas para aposentados e pensionistas do serviço público.
A PEC, que propunha a extinção imediata da contribuição, com efeitos retroativos a janeiro de 2004, após aprovada a admissibilidade na CCJ da Câmara, teve modificações na comissão especial.
Tramitação da PEC 555 na comissão especial
Na comissão especial foi designado como relator o deputado Luiz Alberto (PT-BA), que apresentou substitutivo à PEC, propondo a extinção gradual, à razão de 10% a cada ano, a partir dos 60 anos de idade, com extinção completa aos 70 anos de idade, sem distinção de sexo dos beneficiários.
Entretanto, voto em separado do deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), propôs abreviar a extinção da contribuição, estabelecendo redução gradual de 20% ao ano, a partir dos 60 anos de idade, de tal modo que a extinção completa se daria aos 65 anos de idade, quando a contribuição deixaria de ser cobrada.
No governo havia acordo com o texto do deputado Luiz Alberto, mas a comissão especial optou pelo texto do deputado Arnaldo Faria de Sá. Com a derrota do substitutivo que propunha a extinção em 10 anos, o governo impediu a votação em plenário do texto aprovado na comissão especial.
A PEC 555, cujo conteúdo já se encontra defasado, aguarda votação em plenário desde 2010, e, se não for votada até dezembro de 2026, será arquivada definitivamente.
PEC 6 para atualizar a PEC 555
Para atualizar o texto da PEC 555 e evitar o arquivamento, a solução pensada foi a apresentação de nova PEC, que seria a essa apensada para ganhar tempo e levar ambas diretamente ao plenário, com pedido de preferência para o novo texto, materializado na PEC 6/24.
Desde a votação da PEC 555 na comissão especial já houve mudanças no tema, especialmente por meio da EC 103, do governo Bolsonaro, que autoriza, em caso de déficit do Regime Próprio dos servidores: 1) redução do limite de isenção do teto do INSS para até 1 salário mínimo, e 2) instituição de contribuição extraordinária por até 20 anos.
A PEC 6, além de revogar a autorização para instituir contribuição extraordinária por até 20 anos (§ 8º do artigo 9º da EC 103), bem como revogar a redução do limite de isenção da contribuição de aposentados e pensionistas do teto do INSS para até 1 salário mínimo (§ 1º -A, § 1º-B e § 1º-C do artigo 149 da CF), propõe a extinção gradual da contribuição dos inativos.
Conforme a PEC 6, a extinção se dará: 1) de imediato, independentemente de idade, quando a aposentadoria do titular for decorrente de incapacidade permanente para o trabalho; 2) de forma gradual, ao longo de 10 anos, à razão de 10% ao ano, sendo dos 63 anos aos 72 para as mulheres, e dos 66 anos aos 75 para homens; e 3) de forma conclusiva e definitiva, aos 75 anos para ambos os sexos.
Assim, conforme o texto, a extinção total se daria aos 75 anos. Deste modo, qualquer contribuinte, mulher ou homem, que tenha se aposentado ou venha se aposentar após os 66 anos, contribuiria até os 75 anos, quando a contribuição seria completamente extinta.
Por que a contribuição deve ser extinta?
Porque perdeu o objetivo: todas as razões para sua instituição estão superadas, conforme segue:
1º – desde a adoção da previdência complementar houve a quebra da solidariedade entre ativos e aposentados e pensionistas, dificultando novos ganhos para os inativos;
2º – o STF acabou com o Regime Jurídico Único, permitindo a existência de 2 categorias de servidores: os estatutários e os celetistas;
3º – os governos, nos 3 níveis — União, estados e municípios — ficam anos sem reajustar a remuneração dos servidores ativo, e, quando o fazem, geralmente instituem percentual abaixo da inflação, não estendendo o mesmo índice aos aposentados e pensionistas;
4º – a prática de criar gratificações vinculadas a desempenho, com avaliação individual e institucional, tem prejudicado aposentados e pensionistas, que só recebem a parcela institucional e em alguns casos nem essa parcela integral;
5º – a inflação dos idosos é bem maior que a das outras faixas etárias; e
6º – todos os servidores, antes da aposentadoria, em face das novas regras, terão contribuído pelo menos 40 anos, entre o período em atividade e após aposentadoria, assim como os já aposentados, que também pagaram ou irão pagar mais que 40 anos de contribuição.
Qual a urgência da apensação e votação?
A urgência da apensação da PEC 6 à PEC 555 se deve ao calendário de tramitação de ambas, que serão arquivadas se não forem apreciadas até o final da legislatura — fevereiro de 2027.
A PEC 555 precisa ser votada em plenário até o final da legislatura, sob pena de arquivamento definitivo, já que está tramita há 5 legislaturas. A PEC 6, por sua vez, também será arquivada no final da legislatura se não tiver a admissibilidade aprovada na CCJ e o mérito chancelado na comissão especial, mesmo que apensada à PEC 555. Mas a PEC 6 poderá ser desarquivada por requerimento de qualquer 1 dos signatários, diferentemente da PEC 555, cujo arquivamento será definitivo se não tiver sido votada em plenário ou não a PEC 6 apensada à essa.
Entretanto, se essas forem apensadas — mesmo que sejam arquivadas por não terem sido votadas até o final da legislatura — a PEC 6 poderá ser desarquivada e com essa volta a tramitar a PEC 555. É que, de acordo com o § 2º do artigo 105 do regimento interno da Câmara, “no caso de arquivamento de proposição submetida à tramitação conjunta, observar-se-á que permanecerão válidos os pareceres aprovados, que instruirão as proposições remanescentes, mantida a distribuição da matéria às comissões, ressalvada a hipótese de deferimento de requerimento em sentido diverso pelo presidente da Câmara. (Parágrafo acrescido pela Resolução 33, de 2022).
(*) Jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo (FGV), sócio-diretor das empresas “Consillium Soluções Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”, ex-diretor de Documentação do Diap, membro do Cdess (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável) da Presidência da República – Conselhão.
FONTE: DIAP