Acompanhante digital: WhatsApp pode ser usado no monitoramento remoto de pacientes

Monitoramento de acompanhante digital via WhatsApp fortalece o vínculo com a equipe médica, melhora a adesão ao tratamento e reduz complicações no período pós-alta.

Nos últimos anos, a tecnologia vem transformando o cuidado dos pacientes fora do ambiente hospitalar. Entre as novidades, destaca-se o ‘acompanhante digital’ feito por meio do WhatsApp, criado pela startup Kidopi com o apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. 

A ferramenta fornece informações e orientações ao paciente após a alta médica. O cofundador e diretor-executivo da empresa especializada em informática médica, Mario Adolfi, disse em entrevista ao site da Agência FAPESP que a ideia era oferecer algo acessível e de fácil uso para o paciente.”Escolhemos o WhatsApp porque é uma plataforma bastante disseminada, familiar para o paciente e não requer downloads nem uso de interfaces complicadas”. 

O acompanhamento digital entra em ação ainda no hospital. No momento da alta, o paciente recebe informações sobre a ferramenta da equipe de enfermagem ou do médico responsável, sendo orientado sobre o seu funcionamento e benefícios.  Além disso, recebe orientações sobre como se proteger contra golpes, incluindo o número oficial para contato e utilização desse recurso de monitoramento de saúde remoto.

Sem necessidade de instalar novos aplicativos, a comunicação ocorre toda pelo WhatsApp, permitindo o envio de mensagens de texto, áudio e até mesmo fotos. “O paciente pode, por exemplo, enviar uma imagem do aparelho de pressão para que a inteligência artificial da ferramenta interprete os dados e forneça o suporte adequado”, explica Adolfi.

De acordo com o dr. Marcon Censoni de Ávila e Lima, especialista em cirurgia digestiva e oncológica, com formação em transformação digital na saúde pela Harvard Medical School e chefe do Serviço de Medicina Hospitalar do A.C. Camargo Cancer Center, em São Paulo, esse tipo de monitoramento impacta diretamente a confiança e o bem-estar do paciente no momento crítico do retorno para casa.

“O acompanhamento digital, com perguntas e respostas automatizadas, oferece segurança emocional e clínica no momento em que o paciente se sente mais vulnerável”. Ainda segundo o médico, a familiaridade com a plataforma de mensagens facilita a comunicação, reduz barreiras e torna a interação mais humanizada e acessível, além de fortalecer o vínculo com a equipe médica, promover maior adesão ao tratamento e reduzir a busca por pronto-atendimento devido à falta de orientação. 

Monitoramento digital e redução de reinternações

O avanço da saúde digital tem mostrado que o acompanhamento remoto pode ser um aliado na recuperação dos pacientes e na redução de novas internações. Soluções baseadas em inteligência artificial (IA) e dispositivos, como relógios inteligentes, permitem o monitoramento contínuo de sinais vitais, mesmo à distância, de condições crônicas, como insuficiência cardíaca, e no pós-operatório de cirurgias complexas, possibilitando intervenções precoces e mais eficazes.

“Acompanhamentos digitais bem estruturados usam fluxos inteligentes que captam sinais precoces de alerta, como febre, dor intensa, sangramentos ou sintomas inespecíficos, como desconforto no peito”, destaca o dr. Marcon. Além do monitoramento, a ferramenta permite esclarecer dúvidas e receber orientações da equipe médica sem que o paciente precise sair de casa.

O impacto vai além da redução de custos hospitalares, pois os acompanhamentos digitais promovem também maior segurança ao paciente, autonomia no autocuidado e uma abordagem preventiva e personalizada na gestão da saúde.

Essas tendências foram abordadas pelo dr. Marcon em seu artigo disponível no IT Forum.

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Recuperação em casa: conforto e segurança

Apesar de ser um ambiente seguro, o hospital pode representar um risco de infecções. A recuperação domiciliar reduz significativamente esse perigo, além de proporcionar apoio familiar, essencial para o bem-estar emocional.

No hospital, por exemplo, o acesso da família é restrito em muitos casos, o que pode gerar ansiedade e estresse. Em casa, o paciente encontra um ambiente mais acolhedor, favorecendo a sua plena recuperação.

Desafios de privacidade e segurança de dados

A adoção dessa tecnologia levanta outras questões, especialmente no que diz respeito à privacidade e segurança das informações dos pacientes. “O desafio principal está na conformidade com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e na escolha de plataformas seguras. É preciso garantir que as informações trocadas, mesmo via WhatsApp, tenham consentimento claro, criptografia e rastreabilidade”, alerta o dr. Marcon.

Para mitigar esses riscos, soluções mais avançadas integram o WhatsApp a plataformas de prontuário eletrônico e inteligência artificial, garantindo protocolos seguros de armazenamento e acesso controlado por profissionais de saúde habilitados.

Acompanhante digital: complemento ao atendimento tradicional

Apesar da eficiência, o especialista ressalta que o acompanhamento remoto não substitui as consultas presenciais. “Ele é complementar, mas com potencial de transformar profundamente a jornada do paciente. Consultas presenciais continuam sendo essenciais em momentos-chave, mas o WhatsApp permite um cuidado contínuo entre esses momentos, tornando o acompanhamento mais resolutivo, acolhedor e eficiente”, afirma.

Em muitos casos, o contato digital pode substituir o suporte telefônico tradicional, que costuma ser mais custoso, menos documentado e exigir mais recursos humanos.

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Limitações e perspectivas futuras do acompanhante digital

Entre os desafios a serem superados, o dr. Marcon destaca o risco da automação excessiva sem personalização e a necessidade de tornar a comunicação mais acessível. “As principais limitações estão na falta de personalização e no descompasso entre linguagem técnica e a realidade do paciente. Também precisamos considerar que nem todos os pacientes têm acesso fácil à tecnologia”, explica.

Outro fator é a instabilidade da conexão à internet, especialmente em regiões com sinal oscilante ou Wi-Fi domiciliar instável.

No futuro, ele acredita que a tecnologia avançará ainda mais para oferecer um atendimento remoto mais sofisticado. “A integração com IA [Inteligência Artificial] médica personalizada, análise preditiva de risco e sistemas interoperáveis com hospitais deve levar essa abordagem a um novo patamar: o cuidado proativo e inteligente fora do ambiente hospitalar”, projeta.

Ele ainda conta que há dois anos utiliza um dispositivo para exame físico à distância que permite até mesmo a ausculta cardíaca. “Os idosos conseguiram se adaptar facilmente. Teremos uma rápida evolução para melhorar o cuidado das pessoas que assumem cada vez mais a gestão e decisão sobre sua própria saúde”,  finaliza. 

Já Mario Adolfi destaca que a solução de acompanhamento digital é adaptável a diferentes cenários e patologias, pois a Kidopi é personalizada de acordo com a necessidade da clínica ou hospital e também pode ser integrada ao prontuário do paciente.

“Usamos a IA para que o paciente se sinta mais humano, pois o acesso acontece onde ele já está [em casa], sem necessidade de se deslocar ao centro médico, a menos que haja uma necessidade real”, explica.

Além disso, ele conta que quando a ferramenta identifica sintomas críticos no relato do paciente, o hospital recebe alertas para entrar em contato com ele, garantindo uma assistência mais rápida e assertiva. 

Equilíbrio entre inovação e segurança no acompanhamento remoto

É importante destacar que todo tratamento médico envolve benefícios e desafios, exigindo atenção tanto dos profissionais da saúde quanto dos pacientes. “Vale lembrar que negligência ocorre quando há omissão ou falta de ação adequada, não pela modalidade de atendimento”, aponta o dr. Marcon.

No caso do acompanhamento remoto, os principais riscos estão ligados à interpretação equivocada de sinais clínicos, à limitação na avaliação física e à falta de protocolos estruturados para triagem. O especialista também explica que essas dificuldades podem ser minimizadas com tecnologia adequada, capacitação das equipes e fluxos bem definidos. “A chave está no equilíbrio: usar a tecnologia para aproximar, não para afastar.

Ter responsabilidade no cuidado à saúde significa reconhecer que nenhum modelo de atendimento é isento de falhas e que dúvidas devem ser esclarecidas sempre que necessário, pois a segurança do paciente depende de um monitoramento eficaz, com alertas claros para sinais de gravidade e critérios bem estabelecidos para encaminhamento presencial. 

No entanto, além da estrutura oferecida pelos profissionais de saúde, o próprio paciente tem um papel essencial nesse processo, ao relatar sintomas com precisão, seguindo corretamente as orientações médicas e buscando ajuda sempre que houver qualquer sinal fora do esperado. A responsabilidade individual também é determinante para evitar complicações e garantir uma recuperação segura.

Ainda assim, o acompanhante digital não substitui o contato médico presencial, mas é um recurso complementar que pode fortalecer a assistência em períodos críticos, como o pós-operatório, e também aumenta as chances de um diagnóstico precoce em determinadas situações. 

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Referências:

  • Planinc, I., Milicic, D., & Cikes, M. (2020). Telemonitoring in Heart Failure Management. Cardiac failure review, 6, e06. https://doi.org/10.15420/cfr.2019.12
  • Manji, K., Hanefeld, J., Vearey, J., Walls, H., & de Gruchy, T. (2021). Using WhatsApp messenger for health systems research: a scoping review of available literature. Health policy and planning, 36(5), 594–605. https://doi.org/10.1093/heapol/czab024
  • Ryan, R., & Hill, S. (2019). Qualitative evidence synthesis informing our understanding of people’s perceptions and experiences of targeted digital communication. The Cochrane database of systematic reviews, 10(10), ED000141. https://doi.org/10.1002/14651858.ED000141

FONTE: DRAUZIO VARELLA