Educador destaca legado do papa Francisco: ‘Denunciou a economia da desigualdade como raiz dos problemas ambientais e sociais’

Pontífice morreu nesta segunda-feira, aos 88 anos

morte do papa Francisco, nesta segunda-feira (21), aos 88 anos, foi sentida como a perda de uma das maiores lideranças da Igreja e da humanidade. Em entrevista ao Conexão BdF, do Brasil de Fato, o educador e sociólogo Eduardo Brasileiro destacou o progressismo econômico proposto pelo pontífice argentino, eleito em 2013, e sua contribuição histórica na construção de uma Igreja comprometida com os mais pobres e com o planeta.

Autor do livro “Outra Economia Possível: a proposta de Francisco“, Eduardo afirmou que o papa conseguiu fazer com que o diálogo prevalecesse em meio às contradições da sociedade contemporânea. “Ele foi um pontífice da abertura das fronteiras da Igreja. Ao invés da imposição, que vimos com João Paulo II e Bento XVI, vimos com Francisco o diálogo”, disse.

Para o educador, o nome escolhido por Jorge Mario Bergoglio já apontava para o caminho que seguiria. “O nome Francisco é uma mensagem econômica desde o início. Ele recusou os trajes dourados e usou apenas a batina branca, a cruz de prata e os sapatos trazidos da Argentina, com a poeira das ruas por onde andava.”

Segundo ele, a crítica de Francisco ao modelo econômico vigente foi constante e estruturante. Já em sua primeira exortação apostólica, Evangelii Gaudium, escreveu que “essa economia mata”. Anos depois, em sua encíclica Laudato Si’, de 2015, Francisco denunciou a raiz comum da crise ambiental e da desigualdade social: a lógica econômica baseada na exploração. “A crise ambiental e social não está separada, tem raiz uma só que é a economia da desigualdade, que afeta tanto os pobres, quanto a terra.”

“O papa via no extrativismo e no endividamento dos países do Sul Global uma forma de dominação. Por isso, propôs, inclusive, o perdão das dívidas dos países pobres no jubileu de 2025”, explicou Eduardo. “Cansado de dialogar com o FMI, Banco Mundial, líderes políticos, mas sem avanços, decidiu falar com os agentes da mudança: os jovens, os economistas populares, os movimentos sociais.”

Essas articulações deram origem à Economia de Francisco e Clara, movimento que reúne iniciativas como bancos comunitários, agroecologia, orçamento participativo e taxação das grandes fortunas. “Ele critica o que hoje chamamos de globalização da influência: a forma como os mercados, impulsionados pelo neoliberalismo, tomam territórios e países, extraem suas riquezas e deixam pobreza, precarização das leis trabalhistas e enfraquecimento da organização popular — tudo movido pelos interesses do capital. […] Francisco apontou para outra globalização: a da solidariedade.”

Encontros com o papa

Eduardo também lembrou encontros que ele teve com o papa no Vaticano, em 2015 e 2022. Já na primeira reunião, com refugiados e migrantes, ele percebeu a pedagogia do encontro como traço marcante do pontífice. “Ele nos colocava para escutar as periferias geográficas e existenciais. Era uma pedagogia muito ‘freiriana’, das pessoas se escutarem, se perceberem, usarem as suas linguagens.”

Em 2022, Eduardo Brasileiro esteve com o papa Francisco no encontro da Economia de Francisco e Clara, onde apresentou, junto a jovens da América Latina, experiências concretas de transformação econômica nos territórios — como bancos comunitários, agroecologia, orçamento participativo, renda básica e taxação das grandes fortunas. “Foi aí que conseguimos cada vez mais ter o Francisco nos escutando”, relembra.

Denúncias aos EUA e conflito em Gaza

Na política internacional, o papa Francisco desempenhou um papel ativo como mediador e articulador de diálogos. Mas, segundo Eduardo Brasileiro, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos representou uma ruptura nesse esforço. “Ele percebeu que a oportunidade de diálogo com os Estados Unidos se reduziu a zero com Trump”, afirmou. Francisco chegou a resistir em receber representantes ligados ao presidente e passou a concentrar esforços em construir pontes com outros atores globais e movimentos populares, especialmente na América Latina.

Brasileiro reforça que os EUA exercem uma forte influência dentro do colégio de cardeais, grupo responsável por eleger o próximo pontífice. “Há uma força política dos EUA dentro do colégio, que tenta influenciar a sucessão papal com figuras mais conservadoras. É algo grave”, alertou Eduardo.

O Papa também teve papel central na denúncia da escalada de ataques militares contra o povo palestino. “Em Gaza, mesmo quando não houve mais possibilidade de diálogo, ele seguiu se comunicando com padres e paróquias locais. Hoje é o primeiro dia em que essa ligação não vai acontecer. Fica a pergunta: quem na Igreja vai continuar a ligar para Gaza e denunciar o genocídio daquele povo?”, questionou o sociólogo.

Editado por: Rodrigo Chagas

FONTE: BRASIL DE FATO