O capitão da reserva Jair Messias Bolsonaro surgiu no mundo político em 1988, quando foi eleito vereador no munícipio do Rio de Janeiro. Foi logo depois de ir para a reserva do Exército, a partir de acordo que fez no STM (Superior Tribunal Militar) para não sair com desonra da força. Há livro que conta essa história — O cadete e o capitão: A vida de Jair Bolsonaro no quartel, de Luiz Maklouf Carvalho. Vale a pena ler.
Marcos Verlaine*
Bolsonaro saiu da obscuridade e tornou-se figura pública em 1986, quando assinou na revista Veja artigo em que reclamava do baixo soldo pago aos militares. 1 ano depois, nas páginas da mesma revista, reapareceu em reportagem em que revelava plano de estourar bombas em locais estratégicos e sensíveis do Rio de Janeiro, como a adutora de Guandu, que abastece o Rio de Janeiro.
A revista publicou desenho que detalhava o plano. O croqui, supostamente de autoria do capitão, comprovaria a conspiração em curso no Exército. Instado a prestar contas, Bolsonaro foi considerado culpado no primeiro julgamento, e mais tarde inocentado pelo STM.
Após a decisão da corte militar, ele deixou a farda, passou à reserva e ingressou na política. Esta é a reportagem mais completa já escrita sobre esse período pouco conhecido de o agora presidente da República. O autor examinou a documentação do processo (reproduzida no livro) e escutou as mais de 5 horas de áudio da sessão secreta ? ambos disponíveis no STM.
Também entrevistou personagens que atuaram no caso, entre jornalistas de Veja e militares colegas de Bolsonaro. Além de reunir indícios suficientes para apontar que a autoria do croqui, como sustentou Veja até o fim, era mesmo do capitão, Maklouf reconstitui episódio decisivo não apenas para a trajetória do presidente eleito em 2018, mas também para a redemocratização e o jornalismo no Brasil.
Sofrível vida político-parlamentar
Depois de cumprir metade de mandato de vereador no Rio, Bolsonaro foi eleito pela primeira vez deputado federal em 1990. E desde então, elegeu-se por mais 6 mandatos à Câmara Federal. Foram ao todo, 7 mandatos (28 anos).
Bolsonaro foi sofrível como deputado. Nunca participou de nada relevante na Câmara. Não relatou proposições importantes, nunca foi protagonista de nenhum debate relevante. Nunca mediou demandas relevantes como deputado federal. Era do chamado “baixo clero”, parlamentar que circula anonimamente pelos corredores da Câmara e do Senado, que quase nunca aparece nas entrevistas e jamais é escalado para relatoria ou presidência de comissão.
Mas o que Bolsonaro fez esse tempo todo em que foi deputado federal?
Ele fez negócios. Enriqueceu! Tornou-se próspero valendo-se do que convencionou-se chamar de “rachadinha”, cujo termo técnico-jurídico é peculato, crime que consiste na subtração ou desvio, por abuso de confiança, de dinheiro público.
Sem modos e traquejo: reacionário e extremista
Nesses anos todos como deputado, Bolsonaro notabilizou-se pela falta de modos e traquejo e as posições reacionárias e extremistas de direita que sempre defendeu. Ninguém, com bom senso, pode alegar, nessas alturas do campeonato, que não conhecia Bolsonaro.
Ele é o que é, agora, com poderes, a ponto de ter conspirado e inviabilizado o combate adequando à pandemia da Covid-19, que em razão disso matou até os dias atuais mais de 600 mil brasileiros, calcula o epidemiologista Paulo Lotufo, que admite ainda que desde o início da pandemia aumentou a precisão dos registros de óbito.
Quem não conhecia Bolsonaro
Eleito no 2º turno com quase 58 milhões de votos. A ampla maioria desses eleitores votou num “mito”, criado pelas redes sociais bolsonaristas. Mito, como ele ainda é chamado, é fabulação, narrativa de caráter simbólico-imagético, ou seja, o mito não é uma realidade, em termos objetivos.
Foi incensado pelos donos do poder no Brasil, sem nunca ter “dado um prego numa barra de sabão”. Depois do livro do Maklouf, para conhecer Bolsonaro, o obscuro presidente, quem quiser entender a figurinha eleita precisa ler o longo, mas interessantíssimo artigo da jornalista Eliane Brum: O homem mediano assume o poder. Vale a pena lê-lo!
Neste, Brum pergunta: “O que significa transformar o ordinário em ‘mito’ e dar a ele o governo do País?”.
Ninguém, mas ninguém mesmo, sobretudo aqueles que dirigem instituições — empresariais, estatais ou públicas — pode alegar que não sabia quem era Bolsonaro. Isso é mentira. Agora o mal está feito. Cabe, então, corrigir esse gravíssimo erro.
Os empresários do setor industrial foram simpáticos à pré-candidatura de Bolsonaro. O presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Robson Andrade, declarou na época que o segmento não temia eventual vitória do candidato.
Apladido de pé pela fina flor do empresariado brasileiro
Em evento realizado em 4 de julho de 2018 na CNI, com mais de 2 mil pessoas, Bolsonaro esteve lado a lado com outros 6 presidenciáveis: Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede), Henrique Meirelles (MDB) e Álvaro Dias (Podemos). O então pré-candidato do PSL foi o mais aplaudido, enquanto Ciro foi o mais vaiado, porque dissera, na ocasião, que se eleito iria rever a Reforma Trabalhista, em vigor desde novembro de 2017.
À plateia formada por empresários, Bolsonaro dissera que, se fosse eleito, pretendia melhorar a economia com a retomada de diretrizes do “Brasil Grande”, como ficou conhecida a fase dos megaprojetos de infraestrutura da ditadura militar (1964-1985) que antecederam, porém, ao período de recessão, aumento da dívida externa e dos dramas ambientais e sociais. “Não faremos nada da nossa cabeça. Os senhores que estão na ponta das empresas serão os nossos patrões”, afirmou no evento.
“O que a gente vê, não só no empresariado, é que as pessoas querem um presidente em 2019 que tenha firmeza e autoridade, mas também responsabilidade”, disse Robson Andrade à época.
Uma pitada de polêmica, para reflexão: talvez, a eleição de Bolsonaro tenha sido mal necessário para que o pensamento progressista brasileiro tenha mais cuidados e atenção com a democracia, com a qual houve muita negligência nesses últimos anos. Lembre-se: “Não há mal que dure para sempre”.
Quem não conhecia Bolsonaro?
(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar licenciado do Diap
Fonte: Diap