Países da Europa proíbem uso diante de variantes mais contagiosas do coronavírus, mas há eficácia nas máscaras de tecido duplo desde que utilizadas corretamente
Máscaras caseiras com no mínimo duas camadas de tecido de trama fechada, 100% algodão, que cubram a boca e o nariz, sem espaços nas laterais, protegem sim contra o coronavírus. A polêmica, que já parecia superada, voltou à tona. Isso porque o governo da França proibiu o uso dessas máscaras em público. O decreto, publicado na sexta-feira (22), foi justificado pelas novas variantes do Sars-Cov-2, consideradas mais contagiosas. A Áustria e o estado alemão da Bavária também passaram a obrigar, no transporte público e em lojas, o uso de máscaras com maior fator de proteção.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), no entanto, as máscaras caseiras são eficientes, desde que feitas com o material adequado e utilizadas da forma correta. As de crochê, que entraram na moda, não são seguras, por exemplo. A OMS destaca que as máscaras de tecido podem ser usadas por todas as pessoas com menos de 60 anos que não têm problemas de saúde específicos. E informa que a agência está em contato com autoridades de saúde de vários países para revisar as regras, se necessário. A Academia Francesa de Medicina criticou a medida do governo.
O médico infectologista Caio Rosenthal lembra que as máscaras de tecido são aceitas no mundo inteiro. E ensina um truque. “Coloque a máscara contra a luz. Se tapa a luz, funciona muito bem contra o coronavírus”, explica. “O que não pode é um tecido trançado, bordado, de tricô, onde perpassa o vento, o ar, a tosse, o que a gente respira.”
Mas atenção: máscaras de plástico e de couro não funcionam e não fazem bem. É preciso ter cuidado para não sufocar, principalmente com as crianças, diz Caio Rosenthal. “Máscaras de tecido de algodão são de excelência, e devem ser usadas. Quem quiser comprar as cirúrgicas pode comprar, mas as de pano são tão boas quanto.”
Em reportagem da Folha de S.Paulo, a infectologista Raquel Stucchi, pesquisadora da Unicamp e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), lembra que o que mudou com as novas variantes do vírus foi um pedaço dele. “Ele não mudou de tamanho. As maneiras de transmissão também continuam as mesmas. Dessa forma, as máscaras de modo geral continuariam bem eficientes.”
O coordenador do Observatório Covid-19 Fiocruz, Carlos Machado de Freitas, considera “absolutamente necessário” não só ampliar o uso de máscaras em larga escala, como também manter medidas de distanciamento físico e social. O pesquisador cita estudo realizado no Japão sobre a eficácia das máscaras. “Quando apenas um utiliza máscara há uma redução de metade do seu efeito de barreira. Máscaras caseiras, com apenas um utilizando, reduziram de 20% a 40% o risco de contágio.” Quando dois utilizam, a proteção duplica.
Para o médico infectologista Alexandre Padilha, também não há dúvida sobre a importância do uso generalizado de máscara. “Lógico que estamos falando de níveis de proteção diferentes para graus de exposição diferentes”, considera. “Não podemos comparar a necessidade de proteção de profissionais que trabalham em UTI, pronto-socorro, que têm contato direto com pacientes expelindo aerossóis, com a proteção necessária para você sair e fazer uma caminhada, ir ao supermercado, fazer uma atividade fora de casa, ou mesmo para andar em transporte coletivo que estejam com as janelas abertas.”
O ex-ministro da Saúde explica que quanto mais se permanece em ambiente fechado, ou com pessoas com sintomas da covid-19, maior deve ser o nível de proteção. “As autoridades sanitárias reforçam o uso de máscaras caseiras, para o uso caseiro, o uso comunitário, não para trabalhadores da saúde. Essas máscaras reduzem, sim, o risco de transmissão.”
A proteção é garantida não só pelo uso isolado da máscara. “Lógico que não adianta usar a máscara de forma incorreta. Ou não lavar as mãos, não usar álcool gel. Ou participar de aglomerações, tirar a máscara o tempo todo. Se expor se alimentando junto com outras pessoas de forma aglomerada. A proteção que é garantida com a máscara precisa estar combinada com essas outras medidas”, ressalta Padilha.
Coordenadora da Comissão de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica do Conselho Nacional de Saúde, a conselheira Débora Melecchi alerta para o uso incorreto da máscara. “Infelizmente a gente vê as pessoas colocando no pescoço, põe na mesa e coloca de volta no rosto”, lamenta. “E não é só o uso de máscara. Tem de ter o distanciamento de pelo menos um metro e meio. Não posso estar de máscara e ficar em grupos conversando”, reforça.
A farmacêutica confirma a eficácia das máscaras caseiras e ressalta: “tem muitas costureiras trabalhando com isso, para o próprio sustento. Isso também é muito importante”.
O valor das máscaras profissionais torna o uso impeditivo para muita gente. Na Bélgica, uma unidade de máscara cirúrgica custa menos de R$ 2, enquanto cada máscara PFF2 custa em torno de R$ 22. O preço dez vezes maior é semelhante em países como o Reino Unido, a França e a Alemanha, informa a Folha de S.Paulo.
No Brasil, uma rápida busca na internet revela que os preços variam muito, mas são todos muito altos, principalmente se levado em conta o baixo poder aquisitivo da maior parte da população brasileira. Um pacote com cinco máscaras PFF2 pode sair por R$ 100. Quanto mais incrementos, como o uso de filtros, mais cara se torna a máscara. As cirúrgicas saem em torno de R$ 25 uma caixa com 50 máscaras.
“É muito difícil toda a população ter acesso a máscaras cirúrgicas que teriam de comprar enquanto as de pano podem ser feitas em casa sem gastar muito dinheiro”, comenta Caio Rosenthal, reforçando a importância do uso em todas as situações. “Só não há necessidade da máscara quando está dentro de casa.”
Carlos Machado, da Fiocruz, concorda. “Num país tão desigual como o nosso, em que nem todos utilizam máscaras, e possuem acesso aos recursos básicos para higienização e limpeza dos ambientes, é difícil imaginar que máscaras com mais de 90% de proteção e maior custo passarão a ser usadas em larga escala.” O pesquisador comenta ainda o efeito calor no verão, dificultando o uso desse tipo de máscara nas ruas. “Podem ser recomendadas para ambientes de trabalho fechados e com ar-condicionado.”
A conselheira do CNS Débora Melecchi também alerta para a questão financeira. “Sabemos das desigualdades no nosso país. E infelizmente está aumentando o empobrecimento da população brasileira. Essas pessoas não têm condição de adquirir máscara. Nesse aspecto, precisamos da implementação de políticas públicas”, diz.
“Políticas de saneamento básico, de distribuição de máscaras para essas pessoas, implementação de uma política de vigilância em saúde fortalecida, que atue lá nas comunidades monitorando casos, aplicando testes contra a covid. Precisamos do fortalecimento de política de fortalecimento da atenção básica, para que nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) tenha trabalhadores com segurança atendendo às necessidades das pessoas. E que a política de assistência farmacêutica seja concretizada, com o uso racional de medicamentos.” Enfim, explica, um conjunto de ações de segurança contra a covid-19.
A conselheira destaca que a maior proteção contra a covid-19 virá das vacinas. “Precisamos ampliar o número de doses e garantir vacina para todos via Sistema Único de Saúde (SUS) e via expertise que o Brasil tem via Programa Nacional de Imunização (PNI) para que toda população seja de fato vacinada”, frisa. “Ter maior número de doses, requer incentivo aos nossos laboratórios nacionais, a quebra de patentes para que Butantan, Fiocruz tenham autonomia para produção desde os insumos até chegar na vacina propriamente dita.”
A associação francesa de normas técnicas informa, em reportagem da Folha de S.Paulo, que as máscaras cirúrgicas filtram pelo menos 95% das partículas de 3 micrômetros e as máscaras de tecido categoria 1 filtram 90% das partículas, contra 70% para a categoria 2. Já as PFF2 são as mais eficientes: bloqueiam 94% das partículas de 0,6 micrômetro.
“Embora o coronavírus Sars-CoV-2 tenha um diâmetro menor (de cerca de 0,12 micrômetro), ele é transmitido na saliva, em gotículas ou aerossóis que podem ter o diâmetro de 1 a 10 micrômetros, quando uma pessoa fala”, explica a reportagem.
A União dos Sindicatos de Farmacêuticos da França é contra a medida do governo e explica que as máscaras PFF2 não são indicadas para o dia a dia, já que, por filtrarem mais, dificultam a respiração. Assim como explicou Padilha, a entidade lembra que esse tipo de máscara se destina a equipes de enfermagem e aos que ficam em contato próximo e frequente com pacientes de covid-19.
Além do risco que pode haver de o equipamento faltar nos hospitais e prontos-socorros onde são essenciais aos profissionais de saúde, deve-se levar em conta também a questão ambiental. Essas máscaras são todas descartáveis e ainda não há nenhum política específica de descarte que reduza riscos à natureza.
Carlos Machado considera o debate atual, importante. “Mas não deve ser adotado no país antes que ampliemos o debate e tenhamos mais investigação. Principalmente, criemos as condições necessárias para que todos possam estar protegidos.”
FONTE: REDE BRASIL ATUAL
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