Aquecimento global pode ter consequências mais graves para populações periféricas urbanas que, em geral, têm acesso restrito à saúde e podem vir a óbito
Em artigo opinativo – Heat waves, climate crisis and adaptation challenges in the global south metropolises (em tradução livre: “Ondas de calor, crise climática e desafios de adaptação nas metrópoles do sul global”) –, publicado em 8 de março na editora internacional de acesso aberto PLOS, o pesquisador Christovam Barcellos, da Fiocruz, alerta sobre os desafios encontrados na adaptação das metrópoles do sul global às mudanças climáticas, em especial, as ondas de calor, lembrando que nestas áreas questões como fornecimento de água potável, energia elétrica e saneamento básico são ainda dificuldades extras à população, em especial aos mais pobres.
Segundo Barcellos, que é pesquisador do Observatório de Clima e Saúde e do Laboratório de Informação em Saúde (LIS) do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), as ondas de calor não atingem a todos os habitantes de um país não têm as mesmas características do que vem acontecendo na Europa – “o buraco aqui no sul é mais embaixo”, ironiza.
Como um dos signatários da carta aberta da Fiocruz, lançada no início de fevereiro deste ano, solicitando que seja declarada uma “nova emergência global de saúde”, devido à crise climática e ambiental e o acelerado agravamento de seus impactos na saúde da população, Barcellos neste artigo expõe sua visão aos impactos que vêm acompanhando enquanto pesquisador tanto no Brasil, quanto em outros países, como por exemplo, Moçambique.
No caso brasileiro, os dados apurados pelo IBGE no censo nacional de 2022 e divulgados em dezembro de 2023, realizado em mais de 90 milhões de domicílios mostram grandes diferenças por regiões nacionais, o que reforça a preocupação de Barcellos se formos comparar as condições do norte global (países mais industrializados e com a economia mais forte) e as do sul global, que vivem realidades completamente diferentes.
No caso das populações que moram em favelas, a situação é pior, como explica Renata Gracie, coordenadora do LIS e também pesquisadora do Observatório de Clima e Saúde, devido a vários fatores, como acesso reduzido à educação, ao saneamento básico e à saúde, dentre outros. Segundo ela, “a chance de adaptação das populações periféricas urbanas, cidadão dos territórios de favelas, é em geral menos protetiva do que dos cidadãos do restante das cidades” e acrescenta: “em geral, como estes cidadãos têm menos acesso a saúde, tem mais dificuldade de ter diagnóstico de doenças crônicas e quando tem diagnóstico muitas vezes tem dificuldade de acesso ao tratamento e este fato termina por expor mais este grupo da sociedade, e por isso quando uma região metropolitana está passando por um evento de onda de calor, esse grupo tem uma possibilidade maior de ter consequências mais graves e podem vir a óbito”.
Gracie está inserida em vários grupos da Fiocruz que trabalham com pesquisas junto à população favelada, em especial no tocante de clima e saúde. Sua sugestão é que “a atenção básica (de saúde), as equipes de saúde da família tenham mais atenção para estes diagnósticos nestes territórios e ofereçam mais tratamento para doenças crônicas para que, em um período de ondas de calor, estes cidadãos estejam menos vulneráveis e assim possam minimizar os danos”. Para a coordenadora do LIS, desta forma “os gestores terão também uma diminuição nos gastos com a saúde, pois prevenir um infarto, por exemplo, é menos custoso do que atuar num momento posterior com uma internação”.
Em seu artigo, Barcellos aponta duas preocupações principais nas cidades do sul global: as políticas de água, energia e saúde devem apoiar melhor os grupos marginalizados, muitas vezes dispersos, com pouca capacidade de investimento e que enfrentam problemas de renda, educação e acesso aos serviços de saúde; é necessário garantir a qualidade e a segurança dos sistemas de saneamento para aqueles já incluídos nesses sistemas, reconhecendo que sua complexidade e vulnerabilidade os tornam propensos a falhas, especialmente durante eventos climáticos extremos.
O pesquisador defende enfaticamente que os problemas só poderão ser reduzidos ou solucionados “com a participação da população diretamente afetada por condições de risco imediato ou potencial, dentro de um ambiente democrático que permita o diálogo intersetorial e interdisciplinar”.
Acesse o artigo na íntegra (em inglês).
FONTE: JORNAL GGN