A proposta de alteração nos direitos de uso dos terrenos de marinha, significa privatizar áreas que sempre foram públicas e acessíveis a todos
Nos últimos dias, um tema crucial emergiu com força no cenário nacional: a proposta de emenda constitucional que visa transferir os terrenos de marinha, atualmente sob controle da União, para a iniciativa privada. Este assunto ganhou notoriedade e impulso após um intenso debate nas redes sociais, protagonizado por duas influentes personalidades da mídia.
Eu cresci em Descanso, uma pequena cidade no interior de Santa Catarina, e desde pequeno meu sonho era conhecer o mar, sentir a areia sob meus pés, ver o horizonte sem fim, que só o oceano oferece. Até porque, Santa Catarina tem as mais belas praias de todo o país.
A proposta de alteração nos direitos de uso dos terrenos de marinha, significa privatizar áreas que sempre foram públicas e acessíveis a todos. Isso coloca em risco não apenas o sonho de muitas meninas e meninas do nosso interior, mas também afeta todos que veem as praias como um refúgio para lazer e cultura diariamente.
Os terrenos de marinha são áreas estratégicas para a soberania do nosso país, definidas como faixas costeiras entre a linha da preamar, média de 1831 e 33 metros continente adentro. São áreas vitais para a defesa nacional, abrigando infraestruturas críticas como hubs de cabos de internet e instalações de energia. A Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 20, inciso VII, já estabelece claramente que esses terrenos são bens da União.
A proposta em tramitação no Congresso afeta:
Soberania e Segurança Nacional: As áreas de marinha são essenciais para a segurança do nosso território nacional. Devemos manter o controle estatal sobre essas áreas para garantir a proteção contra ameaças geopolíticas e ambientais. As mudanças propostas pela PEC colocam em risco esse controle estratégico, fundamental para nossa defesa e soberania. Os terrenos de marinha são imprescindíveis à defesa nacional.
Justiça Social e Acesso Público: Atualmente, essas áreas garantem acesso igualitário a todos os brasileiros. A PEC, no entanto, restringe esse acesso e favorece apenas um pequeno grupo, muitas vezes já beneficiado por ocupações irregulares, violando assim nossos princípios de justiça social e equidade. É importante destacar que a legislação brasileira afirma que “as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar.”
Impacto Ambiental: eu como professor e estudioso sobre os impactos ambientais, vejo que a proposta afetará duramente nosso ecossistema costeiro e marinho. A PEC favorece a ocupação desordenada em ecossistemas de alta relevância ambiental, como os manguezais, que são fundamentais para a prevenção de riscos, e medidas de adaptação às mudanças climáticas. Ela torna esses territórios mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos.
Construção de infraestruturas nas áreas de praia pode alterar o fluxo natural das marés e correntes, acelerando o processo de erosão costeira. Também pode levar à diminuição da biodiversidade marinha. Espécies que dependem desses ambientes para reprodução, alimentação e abrigo podem ser ameaçadas, resultando em um desequilíbrio ecológico. Vale lembrar que nossos recifes de corais, que são extremamente sensíveis às mudanças ambientais e à poluição, podem ser severamente afetados, podendo levar à morte desses organismos vitais na vida marinha.
No nosso estado, essa proposta afetará significativamente o ecoturismo e o turismo de praia, que desempenham um papel crucial na economia catarinense. Como um estado litorâneo, possuímos fortes tradições culturais associadas às praias, que atraem turistas de todo o mundo.
Santa Catarina é conhecida por suas paisagens deslumbrantes, que fazem parte de nossa identidade e encantam visitantes de todas as partes. A implementação dessa proposta pode comprometer seriamente esses cenários naturais, prejudicando não apenas o meio ambiente, mas, também, a experiência turística que tanto valorizamos.
A PEC impactará ainda o comércio em torno das praias, incluindo o artesanato, e a pesca artesanal. Atualmente, Santa Catarina vivencia a temporada de pesca da tainha, que começa em maio e vai até julho. É uma época encantadora, onde as águas mais frias fazem com que os cardumes de tainha migrem do sul para o nosso litoral, onde ocorre a desova. A pesca é uma tradição cultural importante no estado, especialmente em cidades como Bombinhas e Florianópolis.
A pesca artesanal não apenas fornece sustento para muitas famílias locais, mas também é uma prática cultural profunda, com métodos que respeitam o equilíbrio ambiental e promovem a biodiversidade. A aprovação desta PEC comprometeria tanto a proteção ambiental, quanto a subsistência dessas comunidades. Nossos pescadores já sofrem com o assoreamento e o desmatamento e, agora, enfrentam mais essa proposta que afetará a vida de milhares de pessoas.
Além disso, a produção de ostras também será prejudicada. Santa Catarina é o maior produtor de ostras do Brasil, responsável por mais de 90% da produção nacional. A cultura de ostras é um símbolo de nossa tradição marítima e sustenta muitas famílias, que seriam duramente impactadas por essa mudança.
Quem vai lucrar com essa proposta? Não somos nós. Nós só vamos perder. Essa PEC precisa ser rejeitada.
O Brasil está indo na contramão. Por exemplo, Portugal criou uma área de território de marinha acima de 50 metros, e a Suécia delimitou entre 100 e 300 metros. Já nossos vizinhos do Mercosul criaram um acima dos definidos pelo Brasil, sendo Uruguai 150 a 250 metros, e Argentina 150 metros.
Essa PEC representa um retrocesso em nossa legislação, um golpe contra nossa soberania, e um risco inaceitável para o futuro do nosso país. Precisamos garantir que essas áreas permaneçam como patrimônio de todos os brasileiros e do Estado, ao mesmo tempo, necessitamos preservar as atividades sustentáveis e costeiras. Sou catarinense e sou contra a privatização das praias!
*Pedro Uczai é deputado federal, professor universitário, graduado em Estudos Sociais, Filosofia e Teologia e possui mestrado em História do Brasil.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.
FONTE: REVISTA FÓRUM