Estudo da FGV aponta que inflação dos motoristas passa de 18%, o dobro da média geral. Trabalhadores por aplicativos contam as dificuldades e caminhoneiros prometem greve contra o aumento dos combustíveis
Estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre os impactos da inflação no orçamento dos brasileiros apontou que, puxada pela alta dos combustíveis, a inflação dos motoristas alcançou 18,46%, no acumulado dos últimos doze meses, até outubro, o dobro da média geral do Índice de Preços ao Consumidor (IPC), medido pela FGV, que acumulada alta de 9,57% no mesmo período.
A situação é tão grave que tem levado motoristas de aplicativos e motoqueiros a desistir da profissão e caminhoneiros a se mobilizar por uma greve contra os aumentos nos preços dos combustíveis que impactam fortemente os preços de todos os produtos, impedindo alguns até de se alimentar na estrada por falta de dinheiro.
De acordo com o índice medido pela FGV, só a gasolina subiu 40,4% desde novembro do ano passado. O etanol registrou alta de 64,45%. Os motoristas que optaram por utilizar o gás como combustível, por ser mais barato, também não escaparam. O GNV aumentou 37,11% nos últimos 12 meses.
Já o, diesel, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo, do IBGE, subiu 33% em 12 meses.
O resultado é o aumento nos preços dos produtos de toda a ‘cadeia’ usada por motoristas autônomos, seja de motos, carros, vans ou caminhões e ônibus.
É isso que a FGV chama de inflação dos motoristas, que sofrem com aumento do preço para fazer a manutenção do veículo, incluindo peças e mão de obra, que de acordo com a FGV, sofreu um aumento de 12,06% em 12 meses, com os reajustes dos preços do pedágio, do valor do estacionamento, do IPVA e do seguro.
A política de Preços de Paridade de Importação (PPI) adotada pela Petrobras para reajustar os preços dos combustíveis no Brasil com base na cotação do dólar e do barril de petróleo, implementada pelo golpista Michel Temer (MDB-SP) e mantida por Jair Bolsonaro (ex-PSL), é responsável pelo drama dos motoristas e de todos os brasileiros porque impacta no índice geral da inflação, que já alcançou dois dígitos.
E este é um dos itens da pauta de reivindicações que os caminhoneiros enviaram ao governo federal. Eles querem antes de mais nada o fim da PPI e estão se organizando para entrar em greve no dia 1º de novembro caso não tenham resposta positiva.
Essa política, dizem os líderes dos caminhoneiros, contribui para subida do custo de vida em geral. Um motorista, por exemplo, gasta mais dinheiro para fazer suas refeições. Não são raros os casos de motoristas de caminhão que estão deixando de fazer refeições nas estradas por causa dos preços praticados em postos de beira de estrada.
Quando há aumento do preço do óleo diesel, toda a sociedade é impactada com aumentos de preços, mas para os profissionais autônomos, há um prejuízo maior já que nem sempre o frete é reajustado, afirma o presidente do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga (Sinditac) de Ijuí-RS, Carlos Alberto Litti Dahmer, que é caminhoneiro autônomo e porta-voz da categoria na Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística da CUT (CNTTL-CUT),
“O caminhão representa 95% do que é transportado no Brasil. Se aumenta o combustível, aumenta o custo, mas isso não significa que esse valor será repassado no frete do autônomo, porque é ele quem faz a negociação direta, dia a dia, com quem o contrata”, explica o dirigente.
Litti Dahmer conta que muitos não estão tendo como se sustentar. “É impossível quando o maior custo do teu trabalho é baseado no combustível. É como se qualquer trabalhador fosse sair de casa para o trabalho e gastasse 50% do que ganha com o transporte. Isso é o que acontece com o caminhoneiro. Ele gasta no mínimo metade do valor do frete que recebe com transporte”, acrescenta.
Em depoimento às redes sociais da CNTTL, um motorista de caminhão de Cuiabá (MT) contou que gasta em média três mil litros de diesel por mês, o que dava cerca de R$ 15,3 mil antes do último aumento. Ele calcula que agora pagará R$ 1.980 a mais para encher o tanque, ou seja R$ 17,1 mil.
Revoltado com o descaso de Bolsonaro, o caminhoneiro diz que nada justifica um país rico em petróleo ter a política de preços atrelada ao mercado internacional.
E ainda crítica ações do governo que nada resolvem a situação. “Aí vem o governo com um auxílio de R$ 400 para o diesel. Taca esse auxílio na latrina, Bolsonaro”.
“A gente não é só caminhoneiro. A gente tem carro, tem família, usa gás de cozinha”, ele complementa para mostrar que o custo de vida atual é pesado.
Veja reportagem da TVT: Caminhoneiros alertam: governo federal não está levando nossas demandas a sério
Apesar de ser um veículo leve que, teoricamente, geraria menos custos, na prática o que muda são as cifras. Para encher o tanque de uma moto gasta-se por volta de R$ 90, mas a mecânica da relação custo/trabalho é a mesma.
O presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores dos Motociclistas profissionais e autônomos (Fenamoto), Nonato Alves, explica que para os motociclistas profissionais, o combustível hoje representa cerca de 80% do custo que eles têm para trabalhar – custo que inclui manutenção, equipamentos de trabalho e de segurança e até alimentação. Já o a porcentagem do custo das entregas – valor que compõe o rendimento deles – continua baixo.
“E não é só gasolina que aumenta. Pneus, óleo, tudo aumenta, mas os preços das corridas são pequenos. Eles ficam com 30% do que ganham os aplicativos”, diz Nonato.
Por isso, ele prossegue, muitos profissionais do setor estão percebendo que têm de ‘pagar para trabalhar’ e estão abandonando a atividade, migrando para outras como porteiro, seguranças e até camelôs, já que não a oferta de emprego no país é escassa.
“Se não houver uma revisão da política de preços, logo haverá uma paralisação geral da categoria. Muitos não aguentam mais, estão com prestação da moto, do seguro, tudo atrasado. Juntando todos os custos a rentabilidade deles é cerca de 10% e não dá para sobreviver”, afirma o presidente da Fenamotos que lembra ainda que além de rendimento baixo esses trabalhadores não têm nenhuma proteção social.
“Com o preço dos combustíveis e com que a empresa paga é muito comum a viagem se tornar deficitária e o motorista ter prejuízo para que a Uber assegure seu lucro”. A afirmação foi feita por meio de nota, assinada pelo Sindicato dos Motoristas em Transportes Privados por Aplicativos do Rio Grande do Sul (Simtrapli-RS).
Em São Paulo, segundo a Associação de Motoristas de Aplicativos de SP (Amasp), houve redução de cerca de 25% no número de trabalhadores este ano.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Bruno Nascimento Albuquerque, que tem formação em mecânica e era instrutor de autoescola no Rio de Janeiro (RJ) antes da crise econômica, conta as dificuldades que têm para trabalhar como motorista de aplicativo.
“Em 2017, eu gastava 27 reais de GNV por dia, em dois abastecimentos. Hoje em dia, você vai encher o cilindro de um carro, é R$ 60 para cima. Se o carro for alugado – e geralmente os aluguéis não ficam menos de R$ 500 por semana –, quanto você vai lucrar nisso?”, diz.
Outro motivo que pesa no bolso dos motoristas – e que também significa aumento de custo – está relacionado à linha de produção dos veículos. Comprar ou alugar hoje um automóvel está bem mais caro do que há 12 meses. O preço de carro novo está em média 11,27% mais alto. Uma motocicleta custa 7,85% a mais.
Para os usados (ou seminovos como se diz no mercado), a situação é semelhante. Houve um aumento de 8,44% nos últimos 12 meses. Peças e acessórios, como já dito e como mostra a FGV, subiram 12,06%.
Em matéria publicada no portal da Fundação, o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, Matheus Peçanha, explica que a indústria automotiva teve um grave problema ao longo desse ano com escassez de matéria-prima para fabricação de chapas, peças e acessórios.
“Encareceu o processo de produção, elevando o preço ao consumidor. As peças e acessórios no mercado secundário seguiram obviamente a mesma tendência derivada do mesmo problema. E os automóveis usados tiveram um aumento de demanda, como consequência dos automóveis novos em menor número e mais caros no mercado”, explicou o pesquisador.
*Edição: Marize Muniz
Fonte: CUT