Especialista afirma que ‘erros’ que levaram à cobrança foram induzidos para garantir a lucratividade de investidores do setor elétrico. Prejuízo foi de R$ 5,2 bilhões dinheiro que saiu do bolso do consumidor
Uma auditoria realizada pela Controladoria Geral da União (CGU), feita em setembro deste ano concluiu que entre 2017 e 2020, os brasileiros desembolsaram um total de R$ 5,2 bilhões de reais pagando contas de luz mais caras do que deveriam ser. O relatório da CGU, divulgado pelo Estadão, aponta erros cometidos pelos governos do ilegítimo Michel Temer (MDB-SP) e Jair Bolsonaro (ex-PSL) na projeção de geração de energia no país.
Essa projeção foi maior do que o que se poderia produzir. O restante, para atender à demanda do país, foi comprado pelo governo, incluindo energia de outras fontes, mais caras, como as termelétricas e isso gerou contas mais altas.
Para o bolso dos consumidores, de acordo com a auditoria, o planejamento ‘equivocado’ na produção de energia do governo causou um prejuízo de R$ 2,2 bilhões entre 2017 e 2019. Outros R$ 2,3 bilhões tiveram origem em uma programação de geração pela usina de Belo Monte que não aconteceu.
O engenheiro da Eletronorte, Ikaro Chaves, também dirigente do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (STIU-DF), explica que as usinas trabalham com uma projeção de produção de energia elétrica calculada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Essa pesquisa determina a capacidade de produção das usinas e é atualizada a cada cinco anos. A última atualização foi em 2017.
Com base em estudos, a EPE emite a ‘garantia física das usinas’ que determina o quanto elas deverão produzir. Se produzirem menos, o governo é obrigado a contratar – a toque de caixa – outras fontes de energia, como as termelétricas, que são mais caras.
“Então é um erro de planejamento. Se existe garantia física superestimada, a energia contratada será menos do que o necessário e, portanto, vai faltar. A energia elétrica que for contratada para suprir a demanda do país terá preço mais alto e quem paga é o consumidor”, diz Ikaro Chaves.
E esse problema de planejamento, prossegue o dirigente, se estende ao longo dos anos, já que a escassez hídrica vem desde 2013 e se intensificou nos últimos anos.
“Deveria haver um planejamento para enfrentar as crises hídricas, mas isso não é interessante para os investidores do setor que acabam lucrando com isso”, afirma o engenheiro.
Desta forma, a EPE faz a revisão da capacidade de produção sem uma redução, de acordo com os fatores naturais, como diminuição do índice pluviométrico e até mesmo da capacidade operacional indicada pelos equipamentos.
“Seria necessário um grande programa de obras de produção e usinas hidrelétricas com capacidade de armazenar água para produzir energia em tempos emergenciais como o que estamos vivendo agora”, afirma Ikaro
O engenheiro lembra que o Brasil tem grande potencial para produção de energia eólica e solar e as usinas atuais não dão conta de suprir a demanda estimada. Exemplo é a Usina de Belo Monte que não tem a capacidade de armazenar água e em tempos de escassez não consegue dar conta da produção projetada.
Ainda sobre Belo Monte, houve atraso nas obras da usina e somente pela usina o total do prejuízo aos consumidores foi de R$ 2,3 bi. “A usina de teve de deixar escoar a água sem produzir energia”, diz Ikaro.
Ainda de acordo com ele, há tecnologia avançada para a construção de usinas mais modernas – tecnologia que já é utilizada em outros países, “mas o Brasil prefere gerir as crises”.
Para Ikaro Chaves, a crise energética que atravessamos hoje foi uma ‘crise construída’.
“Não há concorrência nesse setor. É um monopólio natural. Não dá para qualquer um sair produzindo e vendendo energia por aí. E essa crise tem vários indícios de que foi provocada pelos governos. Quando há escassez, há aumento de preços”.
E quem ganha com isso são os investidores do setor que é comandado por multinacionais, fundos de investimentos e pelo setor financeiro. Bancos como Itaú e BTG Pactual, por exemplo, são alguns dos investidores.
“Essa turma comanda o setor, com exceção de poucos distribuidores e da Eletrobras. Quando ouvimos que houve falhas, elas foram induzidas. Se houver abundância de energia, o preço cai e esses investidores têm menos lucros”, afirma o engenheiro.
A reportagem do Estadão aponta ainda que, além dos R$ 5,2 bilhões, cobrados pela incompetência planejada do governo federal, outros R$ 693 milhões saíram dos bolsos dos consumidores para bancar o atraso na entrega de linhas de transmissão. Usinas da Amazônia liberaram água sem produzir energia.
A CGU afirmou em nota esperar que a política baseada em bom desempenho hidrológico, ou seja, com base no que choveu nos anos anteriores, não seja adotada para evitar que o custo da energia que faltar seja cobrada de consumidores.
“Grande parte desses custos está sendo transferida para o mercado cativo (consumidor de energia vendida pelas distribuidoras), que estão suportando, sem a devida transparência, custos que deveriam ser compartilhados com todos os atores do setor elétrico”, diz a CGU.
*Edição: Marize Muniz
Fonte: CUT