Reforma administrativa não ataca privilégios e visa destruir avanços da Constituição

Projeto de “modernização” do Estado, como dizem os governistas, está parado porque Executivo tem dificuldade de defendê-lo

Parado há quase dois meses na Câmara, o projeto de “reforma” administrativa tornou-se um problema para o governo. Sem maioria, conta com o aliado Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, que não inclui a matéria na pauta do plenário. Se está difícil obter os 308 votos necessários (três quintos da Casa) em dois turnos, haverá mais empecilhos ainda se a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32 chegar ao Senado.

Um ano depois de a PEC desembarcar na Câmara, o parecer do relator, Artur Maia (DEM-BA), foi aprovado pela comissão especial da Casa em 23 de setembro, por 28 votos a 18. Foi a sétima versão do parecer. Confira aqui como votou cada deputado. Desde então, o texto está em banho-maria, apesar de pronto para ir ao plenário. Embora tudo seja possível, o professor Alexandre Gomide, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), vê possibilidades de que o projeto não vá adiante. Nas próprias reuniões da comissão especial, governistas tiveram dificuldade para defender a proposta que o Executivo chamava de “modernização” do Estado. Sem contar o “risco eleitoral” que a medida pode representar às vésperas de 2022.

Reforma fiscal

Para Gomide, a ausência de estudos técnicos que embasassem o conteúdo deixa evidente o “caráter ideológico” da proposta, na medida em que se pretende, por exemplo, repassar para o setor privado funções que são públicas. A PEC, lembra, permite contratações temporárias por até 10 anos, inclusive de atividades típicas de Estado. Assim, fragiliza o concurso público e amplia as possibilidades de terceirização – e de apadrinhamento político. “É uma reforma fiscal, na verdade”, resume o professor e ex-diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que participou de webinar promovido pelo escritório Crivelli de advocacia.O grande objetivo, diz Gomide, que fala em desmonte, “é reverter as conquistas do Estado de bem-estar social da Constituição de 1988”. Se a reforma passar, prossegue, o Brasil irá para trás, em relação aos países avançados, na necessária profissionalização do serviço público. “Isso também vai implicar em perda de expertise e capacidade do setor público. E os privilégios, que eram o grande argumento da reforma, não são atacados pela reforma.” Leia mais: Reforma Administrativa privatiza o serviço público e abre espaço para corrupçãoViés político pró privado

Para o cientista político Fabiano Santos, há no Brasil um círculo vicioso, um “viés político em favor do privado”, que é também um obstáculo para a profissionalização mencionada por Gomide. “O debate com os economistas liberais não existe. Eles estão preocupados com a questão fiscal”, observa o professor também da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj). “Não vejo uma reflexão sobre capacidade estatal, vejo uma ênfase desesperada na questão fiscal, talvez pelas articulações e pelas redes externas no mercado financeiro.”

Falta “tônus democrático” ao Estado brasileiro, diz o advogado e cientista político Ericson Crivelli. “Ganhar eleição não é suficiente. Precisa criar gestores nessas carreiras”, acrescenta, citando setores como o Judiciário e o militar (que ficaram de fora da “reforma”). “Não há um controle externo e não há gestão.”

Fonte: CUT