Apesar de reconhecimento, nenhuma comunidade quilombola do estado tem terras regularizadas
De sorriso largo, roupas coloridas e cabeça adornada por uma coroa de lenço, a descendente do povo Quilombola Verônica Neuma das Neves Carvalho, do Terreiro das Pretas, no Crato (CE), fez da defesa da sua ancestralidade uma missão de vida. Mais que isso: junto com a comunidade, comprou a briga pela regularização das terras que ocupam, algo fundamental para a manutenção da história, do modo de vida e da subsistência dos quilombolas da região.
“Nosso terreiro é conhecido como reino encantado, e eu acho que é realmente um reino encantado, cheio de rainhas e princesas”, afirma com contentamento contagiante. “Viver nessas comunidades é muito bom, porque você pode contar com o seu povo, pode contar uns com os outros, você tem uma história, tem um pertencimento, você pertence a terra e a terra é sua, eu sou da terra e a terra é minha por isso a gente diz que a terra foge a identidade das pessoas”.
Mas para além do orgulho, viver nos Quilombos é também sinônimo de luta e de resistência: “É extremamente desafiante, porque as comunidades geralmente ficam distante das sedes dos municípios, então existe uma dificuldade de acesso. As estradas não são boas, não são seguras. Existe a dificuldade de acessar as políticas públicas, de acessar o bem mais precioso que é a água, a gente ainda tem comunidades que tem dificuldade muito grande de acesso à água pra consumo humano”, lamenta.
Apesar de estarem presentes em boa parte do território cearense, até hoje nenhuma comunidades quilombolas do Estado possui titularidade de terra garantida. São 86 comunidades, 56 delas certificadas pela Fundação Palmares, que há décadas resistem e lutam por reconhecimento, reparação e pelo direito à terra.
Um mapeamento realizado pelo estado em 2019 aponta que pelo menos 30 mil pessoas com mais de 18 anos vivam em comunidades quilombolas. “Isso, inclusive, refuta aquela falsa ideia de que o Ceará não tinha escravos. Teve escravos e foi um grande porto do comércio escravagista. Isso isso justifica o fato de nós termos hoje 86 comunidades quilombolas mapeadas”, disse a coordenadora especial de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial do estado, Martír Silva, para quem o número, apesar de expressivo, ainda é subdimensionado.
João Luís Nascimento, professor e liderança do Quilombo do Cumbe, localizado em Acarati (CE), conta que apesar dos avanços no reconhecimento de seu povo, faltam políticas consistentes para a regularização fundiária: “no Ceará, não temos nenhuma comunidade com o título da sua terra. É um Estado que nos reconhece e tem orgulho de quatro anos antes de a princesa Isabel abolir a escravidão ter tido um movimento liderado pelo Dragão do Mar que fez do Ceará a primeira província a abolir a escravidão. Porém, não avançamos na questão da regularização fundiária”.
João do Cumbe em seu território no município de Aracati. / Galba Sandras
Para Renato Baiano, membro da comunidade quilombola de Encantados de Bom Jardim, no município de Tamboril (CE), é fundamental contar e recontar sua história para que as futuras gerações reconheçam a força de seu povo e sua importância histórica na constituição do Brasil. “Primeiro é importante resgatar a história, conhecer de onde viemos e quem somos nós, para que a gente possa nos fortalecer. Ser descendente de escravos traz preconceito, mas a gente não pode se deixar levar por isso, a gente tem que se fortalecer cada vez mais, conhecer nossa identidade, conhecer nossa origem”, afirma.
Fonte: BdF Ceará
Edição: Camila Garcia e Sarah Fernandes
Fonte: Brasil de Fato