Estudo descobre por que algumas pessoas desenvolveram Covid e outras não

Trabalho publicado na revista científica “Nature” identificou o fator que faz com que pessoas não contraiam a doença; entenda

Uma das perguntas mais intrigantes durante a pandemia mundial de Covid-19 foi por que determinadas pessoas desenvolveram a doença, até mais de uma vez, e outras pareciam imunes a ela?

Um estudo realizado pelos cientistas Marko Nikolic e Kaylee Worlock, por intermédio de uma colaboração entre o University College London, o Wellcome Sanger Institute e o Imperial College London, no Reino Unido, obteve a resposta para a questão.

Nikolic é pesquisador principal e consultor honorário em medicina respiratória na University College London e Kaylle é pesquisadora de pós-doutorado em biologia molecular celular na mesma universidade.

Em artigo, assinado por ambos e publicado originalmente no site da The Conversation Brasil, e depois veiculado na revista científica Nature, os pesquisadores dizem que esclareceram a pergunta utilizando o primeiro “ensaio de desafio” controlado para Covid-19 no mundo.

Um grupo de voluntários saudáveis não vacinados, sem histórico prévio de Covid-19, foi deliberadamente exposto, por meio de um spray nasal, a uma dose baixa da cepa original do SARS-CoV-2, o vírus que causa a doença, para que o processo pudesse ser estudado em detalhes.

Os voluntários foram monitorados em uma unidade de quarentena, sendo submetidos a testes regulares e amostras coletadas para estudar suas respostas ao vírus em um ambiente controlado e seguro.

“Para nosso estudo mais recente, publicado na revista Nature, coletamos amostras de tecido localizado no meio do caminho entre o nariz e a garganta, bem como amostras de sangue de 16 voluntários. Essas amostras foram coletadas antes de os participantes serem expostos ao vírus, para nos fornecer uma medição de linha de base, e depois em intervalos regulares”, diz um dos trechos do artigo.

“Em seguida, as amostras foram processadas e analisadas com a tecnologia de sequenciamento de célula única, que nos permitiu extrair e sequenciar o material genético de células individuais. Com essa tecnologia de ponta, pudemos acompanhar a evolução da doença em detalhes sem precedentes, desde antes da infecção até a recuperação”, prosseguem os cientistas.

Para surpresa dos pesquisadores, eles descobriram que, apesar de todos os voluntários terem sido cuidadosamente expostos à mesma dose do vírus, da mesma maneira, nem todos acabaram testando positivo para a Covid-19.

“De fato, conseguimos dividir os voluntários em três grupos distintos de infecção. Seis dos 16 voluntários desenvolveram Covid-19 leve típica, testando positivo por vários dias com sintomas semelhantes aos de um resfriado. Nós nos referimos a esse grupo como o ‘grupo de infecção sustentada’”, relatam.

Dos dez voluntários que não desenvolveram infecção contínua, o que sugere que eles conseguiram combater o vírus logo no início, três desenvolveram infecção “intermediária”. Esses foram chamados de “grupo de infecção transitória”.

“Os últimos sete voluntários permaneceram negativos nos testes e não desenvolveram nenhum sintoma. Esse foi o ‘grupo de infecção abortada’. Essa é a primeira confirmação de infecções abortadas, que antes não eram comprovadas. Apesar das diferenças nos resultados da infecção, os participantes de todos os grupos compartilharam algumas respostas imunes específicas, inclusive naqueles cujos sistemas imunes impediram a infecção”, dizem os especialistas.

Ao serem comparados os tempos de resposta celular entre os três grupos de infecção, observou-se que houve padrões distintos. Por exemplo, nos voluntários transitoriamente infectados, nos quais o vírus foi detectado apenas brevemente, ocorreu um acúmulo forte e imediato de células imunes no nariz um dia após a infecção.

O fato contrastou com o grupo de infecção sustentada, no qual foi observada uma resposta mais tardia, começando cinco dias depois da infecção e, possivelmente, permitindo que o vírus se instalasse nesses voluntários.

Nas pessoas do grupo de infecção transitória, foi possível identificar células estimuladas por uma importante resposta de defesa antiviral tanto no nariz quanto no sangue. O fato, chamado de “resposta de interferon”, é uma das maneiras pelas quais o corpo sinaliza ao sistema imune para que ajude a combater um vírus e outras infecções.

“Ficamos surpresos em descobrir que essa resposta foi detectada no sangue antes de ser detectada no nariz, o que sugere que a resposta imune se espalha muito rapidamente a partir do nariz”, diz outro trecho do artigo.

Descoberta do gene protetor

Os pesquisadores, enfim, identificaram um gene específico, chamado HLA-DQA2, que foi ativado para produzir uma proteína, em um nível muito mais alto nos voluntários que não desenvolveram uma infecção sustentada e, portanto, poderia ser utilizado como um marcador de proteção.

Com isso, talvez seja possível usar essas informações e identificar aqueles que provavelmente estarão protegidos contra a Covid-19 grave.

“Essas descobertas nos ajudam a preencher algumas lacunas em nosso conhecimento, apresentando um quadro muito mais detalhado sobre como nossos corpos reagem a um novo vírus, especialmente nos primeiros dias de uma infecção, o que é crucial”, apontam os cientistas.

“Podemos usar essas informações para comparar nossos dados com outros dados que estamos gerando atualmente, especificamente quando ‘desafiamos’ os voluntários a outros vírus e cepas mais recentes da Covid-19”, acrescentam.

Diferentemente do último estudo, as novas pesquisas incluirão, principalmente, voluntários que foram vacinados ou infectados naturalmente, ou seja, pessoas que já têm alguma imunidade.

“Nosso estudo tem implicações significativas para futuros tratamentos e desenvolvimento de vacinas. Ao comparar nossos dados com voluntários que nunca foram expostos ao vírus com aqueles que já têm imunidade, poderemos identificar novas formas de induzir a proteção e, ao mesmo tempo, ajudar no desenvolvimento de vacinas mais eficazes para futuras pandemias. Em essência, nossa pesquisa é um passo em direção a uma melhor preparação para a próxima pandemia”, finalizam os pesquisadores.

FONTE: REVISTA FÓRUM