Brasil de Fato conversou com lideranças indígenas que estão na linha de frente das manifestações no país
Milhares de pessoas estão indo às ruas em todo o Brasil para denunciar a crise climática e cobrar a atuação do poder público e de autoridades políticas para mitigar os efeitos das queimadas que assolam todo o país.
O protagonismo indígena tem sido marcante nas manifestações. Em São Paulo, o terceiro ato ocorreu neste domingo, 29 de setembro, em frente ao Pátio do Colégio, símbolo da formação da maior cidade do país.
“Para a democracia acontecer, o povo que já estava aqui também precisa ter voz, porque nós fazemos muito sem ter nada. Quando nos derem o mínimo, nós podemos transformar esse futuro que caminha para uma catástrofe. Nós podemos mostrar para as pessoas que não precisam ter medo de um apocalipse, porque nós somos guardiões do futuro, então é por isso que hoje nós estamos aqui, é por isso que nós estamos convocando as pessoas para ir para as ruas”, destaca Thiago Karai Djekupe, liderança entre os guerreiros guarani Mbya e um dos principais articuladores dos atos pelo clima na capital paulista.
“É por isso que nós estamos dizendo que nós temos que lutar pela reforma agrária, mas uma reforma agrária popular, uma reforma agrária que dê condição dessas pessoas que estão morando na rua a poder plantar seu alimento, a poder plantar sua água, a poder construir o seu abrigo, sua casa, e poder ter a dignidade e o direito de viver, de existir, além de sobreviver”, completa Djekupe.
O legado dos guarani e a violência sofrida por parte do Estado brasileiro é uma parte integral da história de São Paulo. Em 2020, sem a devida assistência do Estado, coube aos xondaros e xondarias, os guerreiros e guerreiras do povo Guarani Mbya, o trabalho para conter as chamas que queimaram parte da Terra Indígena Jaraguá.
Os indígenas têm atuado desde então como brigadistas florestais, com o intuito de proteger as suas aldeias de incêndios. Atualmente, atuam em todo o estado mais de 40 guerreiros que já passaram pela capacitação oferecida pela Fundação Florestal, órgão do estado paulista.
“Não era o fogo que estava destruindo a nossa terra, era quem ateou o fogo para queimar a floresta e nós apagamos com nossas mãos. Nhanderu nos deu força para que a gente sobrevivesse à chama, para que a gente sobrevivesse à fumaça, e para que a gente conseguisse apagar o fogo. Depois disso, nós envergonhamos o governo do Estado, que promoveu, então, depois de muito esforço, uma brigada de incêndio guarani no nosso território, que hoje está ativa e que funciona muito bem para o combate ao incêndio. Quando o incêndio já começa, rapidamente a gente consegue conter, porque agora temos uma brigada com o equipamento. Mas podíamos ter feito isso muito antes”, relembra Thiago.
O xondaro defende maior atuação do governo federal e estadual para que as áreas queimadas por fazendeiros de forma criminosa sejam destinadas para a criação de assentamentos populares.
“O incêndio hoje, ele é uma artimanha do agronegócio, Ele é uma artimanha da pecuária, dos grileiros, aqueles que querem tomar a terra. Para dois motivos, um é a queimada da cana-de-açúcar, para depois fazer o açúcar. Eles se beneficiaram muito. Está comprovado que o açúcar teve uma elevação na sua valorização por conta das queimadas. E depois, quando a queimada se alastra da cana-de-açúcar e ela queima o pássaro, ela queima a floresta, o fazendeiro não está preocupado com o gado. Ele está feliz porque vai ter mais espaço para colocar mais gado. Aí eles colocam pessoas para grilar a terra, para depois eles poderem comprar essa terra mais barata. E depois essa terra virar uma terra de milhões. É isso que acontece”, explica.
Entre outras pautas levantadas pelos indígenas nas manifestações está a denúncia dos assassinatos de jovens lideranças Guarani Kaiowá e a insegurança jurídica provocada pela discussão do Marco Temporal no STF e no Congresso – com a votação da PEC 48, que tenta alterar a constituição no artigo 231.
Txai Suruí, outra liderança na linha de frente, avalia que foi a força das ruas que ajudou na demarcação recente da Terra Indígena (TI) Sawré Muybu, do povo Munduruku, no Pará, e no acordo no STF para a retirada de fazendeiros da Terra Indígena (TI) Ñanderu Marangatu, em Antônio João, no Mato Grosso do Sul.
“A gente não pode deixar que o massacre, que o genocídio, que a morte, sejam naturalizadas. A gente não pode deixar que essas queimadas, que os nossos rios poluídos sejam naturalizados. E nós como povos indígenas que sempre estiveram na luta, na linha de frente dessa luta pela vida, pelas florestas, por todo tipo de vida e de seres, estamos como chamado para a sociedade abrir os olhos, porque eles claramente não estão preocupados conosco, esses que estão legislando, esses que estão destruindo, esses que estão queimando, seja no território onde os latifundiários nos atacam, onde os fazendeiros nos atacam, onde a própria polícia nos ataca, seja no Congresso Nacional, nesses espaços políticos”, desabafa Txai.
Ela reforça ainda a relevância do voto em candidaturas que tenham compromisso com o meio ambiente no próximo 6 de outubro. Segundo a liderança, eleger mulheres indígenas “é uma emergência de vida” para combater o agronegócio e as queimadas.
“É uma emergência de vida porque a gente vive uma crise, não só climática, mas uma crise de democracia, uma crise política, né? Onde a gente está vendo o ataque aos nossos direitos, ao direito dos povos indígenas, a nossa floresta, aos nossos rios, às nossas matas, às nossas mulheres, às nossas crianças. E para mudar tudo isso, a gente precisa mudar de onde esses ataques estão vindo também. E esses ataques vêm também desses lugares de poder, onde são propostas as leis, onde eles decidem sobre o nosso futuro”, opina Suruí.
“Nós estamos aqui para lutar como sempre, lutamos pela vida e não vamos permitir a continuação do genocídio indígena, não vamos permitir a tese do marco temporal, não vamos permitir a exploração de petróleo na Amazônia, não vamos permitir o asfaltamento da BR-319, não vamos permitir nenhum tipo de grande empreendimento que ataque as nossas vidas, que continue violentando e matando nossas mulheres e crianças. Não vamos permitir esse projeto de morte que eles querem colocar para as nossas vidas”, finaliza.
Edição: Nicolau Soares
Fonte: Brasil de Fato
